.
O sinal ecoa no salão, cavalheiros correm em busca de parceiras, dançarinos inclinam-se uns para os outros
O jovem está acordado e deitado sob o telhado de cedro do sotão ouvindo a música da chuva
O crítico analisa a galeria de arte de olhos semi-cerrados e cabeça inclinada
A tripulação do pesqueiro empilha camadas repetidas de linguado no porão
e assim segue...
(Song of myself)
sexta-feira, 14 de dezembro de 2007
Whitmaniando
segunda-feira, 10 de dezembro de 2007
Sobre a Fronteira
Estarei eu sereno algum dia,
se escuto e contemplo deus
em cada objeto ou amante
se vejo assinado seu nome
até nos lençóis e maçanetas?
Inútil tentar me assustar
por dez mil vezes morri
e aqui estou de volta inteiro
berrando numa gota de tempo
como as floresta secas da taiga
O que o jovem pode fazer
para tornar-se um herói e dizer
a toda humanidade que a cada
hora, em cada momento e nos
outros todos que já vão chegar
os deuses são como cartas dos homens
que inclinados frente às portas delicadas
entendem que nenhum dia melhor que esse
para entender quase nada, entender como
pode haver Whitman, entender talvez como
pode alguém falar por mim, décadas remotas
Se tenho coesão, projeto, método
se tenho amigos, jantares, se durmo
cedo, se estou te ouvindo agora
só mais um minuto; minha amiga
espere que estou a milhas próximas
Em algum lugar eu paro e espero por você
em algum lugar eu paro e espero
não me cruzando na primeira vez não desista
não me vendo num lugar procure em outro
Em algum lugar eu paro e espero você.
sexta-feira, 7 de dezembro de 2007
Receitas Romenas
Pegue um jornal.
Pegue a tesoura.
Escolha no jornal um artigo do tamanho que voce deseja dar a seu poema.
Recorte o artigo.
Recorte em seguida com atenção algumas palavras que formam esse artigo e meta-as num saco.
Agite suavemente.
Tire em seguida cada pedaço um após o outro.
Copie conscienciosamente na ordem em que elas são tiradas do saco.
O poema se parecerá com você.
E ei-lo um escritor infinitamente original e de uma sensibilidade graciosa, ainda que incompreendido do público.
segunda-feira, 3 de dezembro de 2007
Mamihlapinatapai (a veces escrita incorrectamente como mamihlapinatapei) es una palabra del idioma de los indios yámanas de Tierra del Fuego, listada en el Libro Guinness de los Récords como la "palabra más sucinta del mundo", y es considerada como uno de los términos más difíciles para traducir. Describe "una mirada entre dos personas, cada una de las cuales espera que la otra comience una acción que ambos desean pero que ninguno se anima a iniciar".
sexta-feira, 30 de novembro de 2007
Apresentando Joaquim
Nômade, meu teatro dos caminhos,
círculo em vaivém desde a caminhada,
bois de carro não trafegam nestas festas
e é assim, de fábulas, minha única jornada
Poesia de Sistemas
1- SISTEMAS PARA ORGANIZAR FÁBRICAS
Podemos criar um sistema para fazer
Aviões; precisamos juntar o aço
E juntar também, dos aviões, os projetos...
E mais as ferramentas com que se trabalha
O aço ligado para os aviões
É preciso traçar e compor esses valores
Em combinações com os meios de fabricação,
cada vez mais fácil e mais rápido
por meio de processos e formas temporais
é preciso valer de atividades no tempo que passa
2 – SISTEMA PARA FABRICAÇÃO DE AUTOMÓVEIS
Necessitamos fabricar os automóveis;
A fundição de aço, lâminas de aço,
O estudo dos motores que movem os automóveis.
É preciso vidro, instrumentos.
Tudo se acerta também em relação ao tempo,
E se vai experimentado a medida que
Se vai montando as peças.
O sistema usual é pra conseguir
Colocar no comércio essa máquinas
Sem nenhum prejuízo.
E conseguirmos todos fabricados a tempo.
Joaquim Cardozo (1897-1978)
http://www.joaquimcardozo.com/
segunda-feira, 26 de novembro de 2007
São Petesburgo
Porque tudo é farsa
Embuste, trapaça
Simplesmente uma grande confusão
Não se sabe quem
E nem o quê, mas,
Apesar de toda essa ignorância
E de todos os embustes
Continua-se a sofrer
e, quanto menos se sabe
tanto maior é o sofrimento!
Genealogia Revisited
Eram de eterno azul e cinza as formações de esquadra que atravessaram a história humana em silêncio?
Equilibram-se através dos séculos nas arquibancadas de rocha pura as canções de fundo oceânico?
Nuvens químicas voam em bandos sobre os portos tal como mil tambores rufando sobre pontes e baleias?
As aves singram os céus com heroísmo natural mesmo quando passam por ciclones ou chegam às manhãs sem ilhas?
A bordo do navio, contornando o Horn, eram fogueiras nas ilhotas?
A indolência da gaivota que atravessa os céus não é a mesma de um recife no canal que tangencia o rio?
Se cada pedra fosse uma pátria sombria de umidade e relva seria cada ilha um exílio de ossos dispersos?
Observando corsários, escutando alto-falantes, estão vestidos de tempos murchos os rochedos?
Nos sabemos prisioneiros da árida planície que é o tempo nessas terras de pesca e nuvens negras?
Quando ruflarem torres emborcadas nas horas de luz violeta e cisternas vazias, parecerá tudo um ar de estalos?
domingo, 25 de novembro de 2007
sábado, 24 de novembro de 2007
Genealogia das aves migratórias
Monarquias do eterno céu azul e cinza,
à vós que como formações de esquadra
atravessaram a história humana em silêncio
dedico essas linhas que vos seguem
A caminho das Molucas o oficial imaginava escrever uma genealogia das aves migratórias, uma espécie de canção sobre o fundo incerto e oceânico das raças, uma grandiosa narração das dinastias ignotas a equilibrar-se através dos séculos nas arquibancadas de rocha pura sobre as enseadas.
Como nuvens químicas a voar em bando sobre os portos, a trocar sinais tal como mil tambores rufando sobre pontes e baleias, singrando os céus com heroísmo natural, mesmo quando passam por ciclones, ou chegam às manhãs sem ilhas, naus perdidas no Pacífico, à bordo do navio, contornando o Horn.
(Fogueiras acesas nas ilhotas)
Uma solitária gaivota atravessa os céus com a indolência absurda de um recife no canal que tangencia o rio; cada pedra uma pátria sombria de umidade e relva; cada ilha um novo exílio seco de ossos dispersos; cada recife um descanso estreito de água-furtada; mas um ritmo de governo, a respiração em uníssono, os mesmos pensamentos sem palavras, a íntima linguagem que nenhum vento pode irritar,
como anjos em pluma sobre montanhas de cristal e gelo, além das cidades que se levantam por trás das cordilheiras rubras, sobrevoando corsários ao largo nas Canárias, escutando alto-falantes nas ruínas em Colônia, descansando sobre prisioneiros mortos nos cordames dos Sargaços, vestidos de tempos murchos os rochedos, ruflando asas de torres emborcadas, nas horas de luz violeta e cisternas de cabeça para baixo quando tudo pareceria um ar de estalos
(Nos sabemos prisioneiros da árida planície que é o tempo posto em ordem, mas o que estará em ordem nessas terras de pesca e nuvens negras?)
Com tais fragmentos, por uma noite, o oficial a caminho das Molucas pôde escorar suas ruínas e descansar. Pois então também vos conforto. O oficial mais uma vez enlouqueceu nas Ilhas. Deixou apenas umas poucas palavras escritas em que dizia assim:
Datta. Dayadhvam. Damyata.
Datta. Dayadhvam. Damyata.
Datta. Dayadhvam. Damyata.
Shantih shantih shantih
quinta-feira, 22 de novembro de 2007
Para a Realidade
Chora real!
Chora que nas letras estás morto!
Chora que esses versos são teus algozes!
Chora que és inatingível e não te reconheces!
Chora que nas filosofias estás pálido!
que não há tempo espaço ou dimensão!
que jamais serás reconhecido ao caminhar nas ruas!
Chora real!
Chora que és filho único de mãe desconhecida!
Chora que és um órfão abandonado pelas teologias!
Chora que não tens família, amigos e estás perdido nos escuros!
Chora que tudo que há de ti é pura representação barata!
que nem os laboratórios podem provar sua existência!
que teus gritos estão surdos para todos nós nos mundos!
quarta-feira, 14 de novembro de 2007
Sem Isqueiro
(O fósforo da casa acabou:
toda vez que quero fumar
tenho de viajar ao fogão
e quando volto
é sempre a mesma neurose:
-- Fumar o cigarro compulsivo
Antes que ele se apague outra vez)
sexta-feira, 9 de novembro de 2007
I
A fumaça no sertão
Fala como morte nos rios
sertanejos
Fala como os rios de um dia
reinos do amarelo
O sol em Pernambuco urbanizado
Murilo Mendes segue os rios
Ouvindo
A falar sério com as coisas
II
Museu de tudo
Esse habitar no tempo
Rios sem discurso, ele diria
O museu de Pernambuco na baixa Andaluzia
No bar sem um meio de transporte
Resolve então jantar com os desembargadores
O Sol no Senegal lembra as águas do Recife
E mesmo sem a luz isso não se explicaria
III
Doença do mundo físico
Número quatro da escola de Ulm
Pergunte a Joaquim Cardozo
Sobre a fábula de Alberti
Sobre romances de barbante
Sobre o níquel, o alumínio e o estanho
Diante da folha branca
Debruçado sobre os cadernos
Leio o ultimo poema de Elizabeth Bishop
terça-feira, 6 de novembro de 2007
Abreu e Lima
"Ao capitão Abreu e Lima
concederam estranha honra:
ele foi convidado a ver
fuzilar o pai, Padre Roma
O capitão Abreu e Lima
ante a distinção concedida
se foi de quem a concedeu:
o rei e o vice da Bahia.
Se foi para a Venezuela,
vestir a farda de Bolívar:
não era a sua, mas pregava
um independência com vida."
Homenagem de João Cabral de Melo Neto ao mais fascinante personagem da História Brasileira.
Sem Isqueiro
(O fósforo da casa acabou:
toda vez que quero fumar
tenho de viajar ao fogão
e quando volto
é sempre a mesma neurose:
-- Fumar o cigarro compulsivo
Antes que ele se apague outra vez)
segunda-feira, 5 de novembro de 2007
Potomac River
No ataque sulista ao Fort Sumter, O exército da União era composto de apenas aproximadamente 11 mil soldados.
O exército da Confederação era ainda menor, por volta de seis mil soldados.
No final da guerra, o exército da União tinha cerca de 1,12 milhão de soldados.
O exército da Confederação atingiu seu máximo em 1863, quando chegou a quase 500 mil o número de soldados
As roupas eram precárias, feitas de lã crua, não processada, costumavam desfacelar-se na primeira chuva.
Muitos soldados também não recebiam calçados
Na Confederação a maioria dos soldados lutou descalça.
A maioria dos soldados usava rifles capazes de atirar apenas um tiro por vez, permitindo o acerto de alvos localizados a até 375 metros de distância.
Em muitas batalhas, os soldados caminhavam uns próximos aos outros, em formação, tornando-os um alvo fácil para os canhões inimigos.
Para cada soldado que morto em batalha morriam dois por causa de doenças como cólera, disenteria, febre tifóide, malária e tuberculose.
Aproximadamente dez mil confrontos militares ocorreram durante a guerra
Através de um bloqueio naval e do controle do Rio Mississippi e do Rio Tennessee, a Confederação foi cercada e dividida completamente.
Em
Nenhum país reconheceu a independência da Confederação, com exceção do reino alemão de Saxe-Coburg-Gotha.
Em setembro, Rosecrans e seus 55 mil soldados atacaram Chattanooga, e Bragg foi forçado a recuar
Em maio de 1864, Sheridan, comandante de uma tropa de 100 mil soldados, por ordens de Grant, invadiu e conquistou grande parte do sudeste da Confederação.
Sheridan conquistou Atlanta ainda em maio, tendo enfrentado resistência de uma força confederada de aproximadamente 60 mil soldados soldados.
Sabendo que um ataque frontal e direto contra Richmond seria desastroso, Grant moveu suas forças em direção ao sul, ao sul do Rio James, para atacar Petersburg, um pólo ferroviário que abastecia Richmond com suprimentos.
Ao invés de um ataque direto, Grant preferiu cercar Petersburg e lentamente estagná-la com a falta de suprimentos. Assim sendo, cavou enormes trincheiras em torno da cidade.
Por um ano Petersburg ficou cercada, até que nos primeiros dias de abril de 1865, quando as instalações ferroviárias da cidade foram finalmente capturadas pelas forças de Grant.
Lee foi forçado então a fugir da cidade, e forças nortistas capturaram Richmond em 10 de abril.
A Guerra Civil Americana foi a primeira guerra onde balões foram utilizados com o propósito de patrulhamento aéreo.
quinta-feira, 1 de novembro de 2007
.
Essa ponte leva aos invernos químicos
Imensa narrativa inconsciente o raciocínio
Às avessas como máquina infernal sinfônica
Vou ao que provoca e alivia como Baudelaire:
O Navio a Vapor
Essa ponte leva aos invernos químicos
(Imensa narrativa inconsciente o raciocínio)
Às avessas como máquina invernal sinfônica
vou ao que provoca e alivia como Baudelaire:
O vapor de fumo escuro
atraca raso na maré
Dribla os vapores vazios rio adentro
E escorre os meandros sujos do Jacaré
O vapor desliza entre esses portos
Na Babilônia a deriva, escondido pelo Rio
Entre as pedras, fumando a ciência divina
exploram fazendas, afogam formigas
Atravessam estradas, inauguram agonias
Devoram oceanos mais velhos que os céus
quarta-feira, 31 de outubro de 2007
A execução do diplomata
Bravos soldados na fronteira guardam postos
com barcos, armas, munições e equipamentos
subordinados a torres, coletores de impostos
vivem desprotegidos dos céus e dos tormentos
não existem tártaros que não imaginem o mundo
incendiado, tornado todo uma pastagem
que não sonhem com qualquer palácio inundo
qualquer recuo, a tensa execução selvagem
retornando sem ter afastado os intrusos,
não morreram nos baixios ou mistérios
abandonando aldeias aos canhões sem uso
não trouxeram paz à China ou ao império
bombardeados ao executar os diplomatas lusos
não inundam mais seus cofres com minérios
Poesia Ártica
.
*
Esses versos são a ponta do iceberg:
O resto do poema fica sob a lâmina d'água
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terça-feira, 30 de outubro de 2007
quarta-feira, 24 de outubro de 2007
Chansong II
I’ve never drank a Scotch with this bouquet"
Ou me perdi nas formalidades dos mestrados
Nunca fundei dinastias sobre reis assassinados
Ou joguei comediantes bestas sobre as feras
Jamais encontrei Buda no menu dos restaurantes
Tampouco acendi lâmpadas na guerra da Coréia
Tampouco li Gilgamesh na língua da Caldéia
Não produzi chacinas ou dividi famílias e alianças
nem dirigi carros de embaixada com insígnias de estado
não enriqueci com poços de petróleo no Arkansas
nem engordei bezerros nas planícies do el dorado
Não fui cantora de bar ou empregada de alguns mouros
Apenas escrevo sonetos antes de entrar na arena dos touros
terça-feira, 23 de outubro de 2007
Um pouco mais sobre Carleto Gaspar*
Carleto Gaspar tinha como programa de governo algo próximo do ideal ortodoxo do Romantismo Alemão, um projeto ideológico que, para ele, só poderia ser alcançado através de um conceito particular denominado Baianismo-Beat-Dionisíaco. Se esse “método” incluía guerras, violências, saques e orgias, isso nunca foi esclarecido, Carleto só ressalta a errância como conceito fundamental de sua ideologia e ideário: a idéia do homem dividido biologicamente entre o homo sedentarius e o homo nomadis. Seu sonho era uma nação de homens nômades, assentados sobre a produtividade material do homo sedentarius limitado e pouco criativo que seria subjugado e escravizado. A luta de Classes carletista seria uma eterna luta dos sedentários infelizes e desencantados lutando para prender os nômades à sua vida medíocre e previsível.
Carleto idealizara uma sociedade em permanente migração, composta ciclicamente por levas de refugiados e assentados que se revezariam aleatoriamente da maneira que lhes parecesse mais agradável. Um nomadismo industrial com ênfase na produção idílico-poética e que reconheceria também a importância do Nômade Sedentário como peça fundamental da engrenagem social carletista, aquele nômade que decide ficar indefinidamente em um determinado assentamento.
Esses assentamentos seriam centros de lazer urbano-campestre, destinados a busca da alegria e da realização da vontade em absoluta integração com a paisagem. Segundo seu biógrafo particular, José Inácio de Abreu e Lima, Carleto Gaspar já delirava com as paisagens agrestes da Bahia no terceiro ano de guerra, dizendo que aquilo era tudo só podia ser obra de um deus da lírica persa. Parava às vezes no meio do campo de batalha para meditar sobre os binômios compostos que levam ao orgasmo ou sobre a estrutura narrativa do velho testamento. Só as tempestades de balas e flechas o tiravam de seus devaneios; mas uma vez desperto, ele outra vez surgia como um titã a esbravejar, dar tiros sem direção e a exaltar furioso o vultuoso saque que aguardava os soldados dentro dos muros. “Glória eterna ao primeiro que galgar as fortificações” e seguia em frente atirando imprudente em meio aos projéteis que zumbiam sob seus ouvidos.
Aquela noite de natal de 1807 foi uma noite triste para os poucos soldados que ainda sustentavam o cerco a Ilhéus. As malas de provisões se esvaziavam, o fosso largo impedia o assalto frontal aos muros e os carros de boi exaustos, sem ração, enfraqueciam a combalida linha de suprimentos.
Em seu gabinete improvisado com panos e lonas vermelhas, escondido sob as fortificações, Carleto recebeu a notícia de que recrutas esfomeados haviam saqueado os depósitos. Colérico, enfurecido, os oficiais trêmulos, mandou reunir todos os comandantes, e, reunidos em volta da mesa de estratégia, ordenou o ataque total à cidade. “Mas como, meu bom Marechal, como podemos atacar com tamanha desvantagem, sem a chegada de uma artilharia consistente, sem poder atravessar o fosso em segurança?”, “Como César e Alexandre jamais recuaremos” ele retrucava, “o exército está em colapso, dependemos todos do Butim”
E declarada a ordem inquestionável de avançar aos poucos homens que restavam, esses então avançaram convictos sobre as escadas quebradas nos tombadilhos, por sobre os trilhos e balsas destroçadas, pisoteando os arautos feridos, mirando o alto da muralhas altas, onde os defensores sem munição, jogavam pedras e tijolos sobre a multidão de filhos caçulas, e os tiros brancos de mármore voando nas testas desnudas desses homens de sombra e carvão choviam como as telhas jogadas sobre os cadáveres da véspera, e mesmo assim as escadas foram reerguidas sobre os muros, e então, como um milagre, os soldados começaram a escutar o canto cerrado das tribos do sertão, o canto ibérico conhecido nas aldeias maias, e os jagunços inspirados pelo coro, escalaram com ímpeto de mouro as escadas e por fim alcançaram o alto da muralha levantando em seguida o estandarte Carletista da conquista. Carleto Gaspar olhava de longe e cantava baixo e solitário sua única canção.
Esse homem que tinha a poesia como único consolo nas madrugadas insones, este ser vidente obcecado por guerras e epopéias, o tipo de jogador que quer sempre um pouco mais, viciado de veia em civilizações peninsulares, colecionador de Rios e arbustos pragmáticos, vendido para os modernos pelos povos monumentais da Antigüidade.
Esse homem que estudara com seus mestres da Germânia sobre os castelos nórdicos erguidos sobre o Cairo, sobre a logística das festas de Manhattan dos anos quarenta ou da Bagdá dos setecentos; investigara com os sábios da anatólia o amor desgraçado na melancolia medieval italiana, experimentara em árabe arcaico o cheiro doce da virilha virgem da filha do sultão, as imperatrizes núbias sussurrando seu nome de batismo; conhecera as matemáticas, as lógicas da pólvoras, os segredos da astronomia etrusca, como um Édipo, desvendara já os enigmas por antecipação, cantara por seus heróis mortos no cárcere, vivera em corpo e espírito o excesso nas drogas mais puras, e dizem alguns, viveu até o suicídio.
(* Carleitização do Canto Báltico)
segunda-feira, 22 de outubro de 2007
Safo (séc. VII a. C.)
"Alguns dizem que o que há de mais belo na terra é um esquadrão de cavalaria;
outros, um exército de guerreiros apeados; outros ainda, uma esquadra de navios;
mas o mais belo é o ser amado por quem o coração suspira."
sábado, 13 de outubro de 2007
Tapeçaria das paisagens
Fui outrora um califa em Samarra
casualmente num sonho destacado
como artífice dos povos e misérias
ministro-chefe dos portos e arados
Ergui bebedeiras às margens do mar Cáspio
para manter em fevereiro a Belém alvoroçada
no alto do campanário eu mirava a retomada
das ruas estreitas entre a cidade de damasco
Ao longe um viking
nas masmorras torturando o Parmênides de Eléia
e ele gritando que o mundo é assim, uma odisséia
e Empédocles de Agrigento dizendo que não era
Eu sou fui e serei sempre esse mar de ondas agitadas
ancestral das planícies como os graves precipícios
iluminado desassossego da ilustração contente
onde fui encontrar as minhas horas mais felizes
Ninguém é eu, ninguém é você
não posso ser ele, ele ser eu
isso na infância é como ser você
a longa espera de José no poço
terça-feira, 9 de outubro de 2007
Amante de panos e libélulas
.
No tempo em que os relevos eram outros
Comprava-se livros como sedes de dilúvio
No tempo em que cafés traçavam teoremas
Comprava-se livros como carrosséis de antigos bailes
No tempo em que éramos soterrada aurora em braile
Almoçávamos enciclopédias nuas nos solstícios
Evidenciar mamutes já não era um vício
E lanchávamos florestas nos ensaios
sábado, 6 de outubro de 2007
Ao largo
.
Cuidado com o outro.
Amanhã serás tu a saber
e conhecer gritar e urrar
o imperativo mistério de estar
só o tempo algoz ainda
e saber soprando que a prece
é fundamental poesia de ouvir e calar
que a voz é o que falas se
talvez sem soprar soubesses
que centros são sinas de poucos
que tarde a lua não é de
manhã, se queres partir e deitar
não falhes que há sonhos
intransponíveis muradas
que consomem santos e
filhos sem dó e os mais velhos,
se queres portar a bandeira
lembra dizendo que tudo isso
e as coisas que a gente constrói
são como alegria dos seres e casas
como par de janelas abertas aos montes
por isso amigos jovens
e senhoras guardem
Guardem sempre.
Por isso adultos
meninas e tropeiros
cuidado uns com os outros
Cuidado que o outros
também és tu.
Cuidado que é
frágil o divino monopólio
que temos que cuidar
e que há de tudo em todo lugar
mas guarda assim
com carinho e prezando
prezando como quem
guarda um tesouro
e por isso talvez não percebam
que guarda,
acende por vezes aquele
que ingênuo se sente apagado
levanta o ombro caído que
não engana um pouco a vergonha
sela sempre sabendo
que se apertar não desgruda,
reza também por aqueles
no seu canto quietinho
e talvez quem sabe um dia
por uma alameda do zoológico
tu encontres também acolhido
qualquer ressuscitado ou
homem de engenho,
ademais não existe solo
até que existam os pais
Ontem soubesses talvez
que Frank, Chaplin & Tom não eram
mais que os dirigíveis transoceânicos
que intensos apenas abraçavam
baías planeta afora na virada
da centena antiga do oitocentos
.
segunda-feira, 1 de outubro de 2007
Vai Carlos, ser gauche na vida
Losk, por que agora estás onde não queres?
Por que não arruma as coisas
E vai-te embora?
Que fará você com toda essa tristeza?
Que fará o dia em que ela não mais se for ?
Por que trazes aqui o que te deixas tão abatido?
Por que não gritas que não queres mais?
Losk, por que te calas menino?
Sinto tantas saudades tuas
Por que foges de ti?
ii
Por que esse sono eterno, esse cansaço, essa exaustão sem fim?
Por que esse desânimo com o porvir, esse ócio sem resultados, essa preguiça maciça?
Por que esse sono que não é vontade de se deitar, esse cansativo assombro do destino que chega?
Por que?
Resta dormir, sonhar e esquecer
E quem sabe, acordar em outro tempo
talvez em outro lugar
quinta-feira, 27 de setembro de 2007
Dentro da Canção Eslava
...
Falava-se de uma história de três caçadores de sonhos, que haviam
se perdido entre o sono e a vigília. Na verdade, todos os três
se encontravam em um sonho espaçoso,onde pisavam na areia
e sentiam frio sem abrigo da chuva e do vento. Cães selvagens
latiam a espreita e Mustafah calava tranquilo, sabendo que os
o próximo sonhador e fugir das margens gélidas e imaginárias
do Volga
...
segunda-feira, 24 de setembro de 2007
Breve devaneio
Hierarquia para os pratos copos panos e talheres
Casas músicas artes paisagens climas e mulheres
belezas autores mortes putas generais filosofias
Para os metais as formas os líquidos as zonas, hierarquias
materiais ingredientes sentimentos de países de loucuras
De mães de fés de pós de ervas de cataratas de culturas
Hierarquias de cidades sabores de segredos crimes e gozadas
De beijos e bucetas de falos violências de peixes de estradas
Hierarquias, onde me encontro?
quinta-feira, 20 de setembro de 2007
Sobre o meu caminho
eu nasci lá
não escolhi o lugar
acorrentaram-me ainda criança
e depois lançaram-me no mundo com as correntes
eu nasci lá
não escolhi o lugar
como canção que toca nas docas
ii
voei atrás dos versos por entre estrelas e tropas de linha
procurei nas casas sem dono ou guarnição
investiguei canhoneiras lâminas e esfinges
nas praças murchas entulhadas de vento e solidão
busquei nas nuvens cinzas e grosseiras
nas casas de formigas rudes
nas valas das cidades-macieiras
nas gaiolas dos bazares sujos
eternamente buscando
.
domingo, 16 de setembro de 2007
Sob o Café de Portinari
A terra e o pó sepultaram a manhã que inventei
apagaram e deixaram erma de sentido
os tocos calcinados cantaram como espíritos de horror
e seu coro aspirava a inundação seca pela boca
tudo nesses homens brônzeos está oculto pelas sacas
resplandece tão somente uma aura de incêndio
uma garantia de velhice reservada para a vida toda
um áspero santuário do trabalho sobre as costas
o feitor de gola rubra e flamejante língua, ele próprio cativo,
cruel com a moça dos pés inchados que sofre sobressaltada,
atravessa de olhos baixos a fúnebre dança das cicatrizes
Estilhaços de sangue como pétalas de trêmulas vidraças
Arrancados do espaço como signos na tela do pintor
ó escuro, tumultuado escuro dos céus, nos responda:
a que deus podemos aspirar?
sexta-feira, 14 de setembro de 2007
só pensando
(Mesmo onde os homens estão presos;
e a vida é feita de intrusos
mesmo se não há sorrisos nas crianças
nem amor nas mulheres
mesmo se não há outro mundo
se é tudo essa dureza e doutrina
mesmo esse rude apetite
de coisa eterna que assombra
mesmo se for tudo vulto encolhido
golpe de vento e neblina
terça-feira, 11 de setembro de 2007
Datura Inoxia
[
se hoje, o que acontece é tarde
sabemos ser o que só hoje podemos
e o sinal é ali estar o que se vê
paro sob o voo e assim ser
também o que não somos
só o caso assim de acontecer
morar, como quem vive só
e ainda saber ter também
o sol sob o assoalho
e, bom, pude estar talvez
mais disposto, mas são ases
de estar assim tão perto
e não...
sabe, é só vendo que se apreende
se no quarto estou, solto em vigília
vale dormir jamais, pra ver se entende
e não...
]
domingo, 9 de setembro de 2007
Linda cidade, Montpellier! Cidade das Belas mulheres!
a sua vida pacata, seus subúrbios, sua gare
Montpellier, meu coração,
em cada canto de minh'alma uma lembrança tua
ah se fossem casuais todos os encontros
se aquelas praças, ruas estreitas, se tudo aquilo existisse
se nós ao menos tivéssemos feito aquele show de jazz que tanto ensaiamos...
alívio eu sentiria se caisse na ilusão de que um dia vou reencontrá-los
que um dia viveremos tudo juntos de novo
que um dia terei o mesmo quarto de hotel reservado...
me levanto da cama absolutamento doido:
a angústia das horas e lembranças
os pensamentos, casos, vésperas, sonhos e obrigações
não, não pude dormir
morto de uma fome abstrata
de coisa que não se pode mastigar
ah, Montpellier, é você!!!!
eu como um pássaro pelas cidades do mundo
meu coração acolhido sob plátanos nas praças
e todos os beijos na boca que tem me dado a vida
27/09/2004
quinta-feira, 6 de setembro de 2007
Poesia de inverno
um binóculo mordaz para enxergar o silêncio desaprovador dos meus colegas
olivais contemplativos sob o fumo das lareiras ouvem
os choupos aposentados no pântano austero a rezar e a
noite, traçando devagar o sinal-da-cruz nestas vidraças
Sim, inverno, estamos vivos!
quarta-feira, 5 de setembro de 2007
Uma carta em Homero
"Comoveu-se o esposo e disse, fazendo-lhe carinhos: ‘Anjo sem ventura, por mim não faças sofrer teu coração; ninguém me fará baixar ao Hades; homem nenhum, porém, foge à Moira, desde o dia em que nasce. Agora volta para casa, cuida de tuas coisas, da roça e do tear; vê que as fâmulas também às tarefas se apliquem. Aos homens troianos - e sobretudo a mim - incumbe-nos a guerra’.” Ilíada VI, 484-493 [trad. Haroldo de Campos]
terça-feira, 4 de setembro de 2007
Veredas
de uma nau escura em Ipanema
a via-láctea se solta no espaço
Junto um corte de fazenda; um bom par de sapatos
guardo tesouros guardados no cerebelo
e como Alexandros sigo
a conduzir homens e carroças
pois aqui, não podemos todos ser reis
segunda-feira, 3 de setembro de 2007
Sobre as línguas indo-européias
Vocábulos peregrinos caminham sob tormentas, por trás alongamentos silábicos respiram sons e cometas; consoantes da estepe e da marcha seguem a frente como arautos sem soldo, protegidos por oxímoros armados que cruzam fronteiras rosnando grunhidos de mouro; no encalço fileiras de hiatos a arrotar elipses de lua a engasgar sopros sem assentos a pronunciar como gritos de rua aaaa, até dizer-se o és! os dialetos usados adormecem vibrantes nas picadas, as vogais exaustas se recusam a seguir pro norte; os homens de ânforas vultos pelos mares, largam-se nos planos e alturas em enormes faustos a adorar o discurso eterno da seta e da tocaia; plainam surdos sob as ondas das palavras, com suas bússolas que trastejam emperradas nos cordames, suas setas viajando sem ponta ou atenção, suas palavras que não servem para dar nome às coisas...
domingo, 2 de setembro de 2007
As aventuras de Dom Enrico Torres no velho mundo
Tangerinas rolam em Knóssos
ardendo frio com os mendigos de Bruxelas
cercados por turbantes roxos no porto em Gibraltar
só não congelados porque havia haxi em Montparnasse
Tangerinas sopram em Narbonne
esperando fiança numa saleta em Carcassone
estamos presos num hotel cristão em Amsterdam
Tangerinas crescem por Atenas
sondando dealers nas esquinas pelo Thames
tangerinas voam em Montpellier
éramos família na Piazza de Espagna
ouvindo o caetano mais puro nas areias do Sahara
segunda-feira, 27 de agosto de 2007
Uma Canção
dentro da tarde há um céu
debaixo dos troncos e só
dentro do homem a tarde
casados dilúvios e nós
dentro da tarde um menino
vestindo uma espécie de rei
dentro do rei um fascínio
cantando a canção que guardei
terça-feira, 21 de agosto de 2007
Sobre o caiçara
O mar entre dois versos
se alarga e transborda os versos
os versos a soluçar se exilam;
O caiçara sem versos para viver
abandona a estrofe
e tudo vira mar
Uma ideologia
Só os excessos conduzem a sabedoria
Viver é morrer nas selvas do Cambodja
ou aos pés dos muros de Jerusalém
Todo o resto é mistério
segunda-feira, 20 de agosto de 2007
Fragmentos Carletistas V
...Em homenagem ao visitante cantaram uma canção de final de tarde outra de quando o rio chega no mar e por fim uma sobre a primavera no São Francisco, quando a canção terminou selaram os cavalos e foram caçar raposas...
Fragmentos Carletistas IV
...
i
O combate já durava dias e Pinheiro se recusava a recuar de suas posições na margem norte do Rio Pardo.
Suas baixas já antigiam milhares e os reforços de Porquinho tardavam em chegar; Carleto jazia com febre nas ruínas de um hotel em Prado e a nova infantaria do Coronel Franklin avançava com seus carros de combate indiferentes ao fogo dos morteiros e canhões Carletistas.
Pinheiro resolveu recuar quando a névoa prevaleceu na escuridão do inverno baiano; com o auxílio do Coronel Campos Bastos, levou seus homens em balsas improvisadas até a margem oposta.
O contingente, no entanto, estava muito enfraquecido para deter o avanço de Franklin. Haviam poucos soldados sobreviventes da 5ª Infantaria Carletista; da 4ª Divisão Blindada de Belmonte e da 9ª Artilharia de Porto Seguro...
ii
Chovia muito aquela madrugada e mesmo assim Pinheiro ordenou que seus homens avançassem através das planícies que cercavam a margem do rio. Sob uma chuva de balas e artefatos eles atravessaram o longo espaço que os separavam das últimas fortificações carletistas e ao anoitecer já se encontravam protegidos.
Obedecendo as indicações de Carleto, a infantaria avançou até uma pequena depressão que margeava os charcos e do horizonte mudo surgiu o grito absurdo que antecede o fragor das batalhas.
Amanhecia e um sussurro surdo ecoava do lado de fora dos muros. Os soldados que permaneciam deitados no hospital da campanha, impossibilitados pelos ferimentos de levantar-se, acompanhavam com tremor os estouros e estalos e quebrantos que escutavam a distância.
“Chove fogo, gritos e sangue” gritou um deles com o evangelho nas mãos "Nínive sucumbirá sob seus próprios males" repetiu profético o aleijado. No campo, sob os olhos fatigados de um comandante desacreditado, o exército desmantelado penava uma fuga incerta; às pressas, tudo quebrado, os oficiais corriam e fugiam rio acima com botes já preparados e no meio da carnificina os homens pensavam que aquilo tudo era pior do que quando era normal a vida.
Quando a derrota já se mostrava definitiva, Carleto recuou em segurança sob a guarda de Pinheiro e por uma trilha discreta atingiu seu quartel-general em Belmonte logo ao entardecer. A noite, mesmo cansado, não conseguiu dormir, contava de um a cem e dobrava o dedo mindinho; contava de cem a duzentos e dobrava o seu vizinho; assim por diante, até completar mil e ter as duas mãos fechadas. Lá de cima escutava os tiros distantes e as descargas de artilharia e então começava a contar novamente...
Marechal Carleto Gaspar 1841
