I
ó valente enciclopédia azul
sempre um chão sob os pés
mas o chão sobre as nuvens
ó terna companheira das horas de vou
eterna mensageira do conflito e da caserna
interno exílio do instante vivo aqui em outras eras
inverno do perímetro das vilas e pântanos bubônicos
ó coléricos dervixes de tuberculosas genitálias
ó pestilentos homens de gengiva pura em sangre
ó veleiros de cascos vazados de nulas provisões infantes
ó calçados nas panelas, sopas de couro duro e cordame
valente e longeva enciclopédia azul dos mares
sempre um chão sob os pés
mas um chão sob as nuvens
gangorras de tifo a balançar balanços no porão de seus volumes
ó amarelos negros, embrulhados roxos
ó navios de agouro morto dos mares e criméias
ó navegadores sombrios cruzes cortes cooks e pizarros
ó fredericos catarinas dantons e flavius josefus
ó assurbanipals dioclecianos leopoldos e josés
ó lucrécios caminhas cochranes e kublais
ó aníbais e rolandos bolívares e drakes
valente e imortal enciclopédia de catedrais e cânticos
um chão sob os pés
mas sempre longe do chão
(procissões douradas arrastam-se nas estradas como grande lagarta sobre rodas,
e os sinos de bronze cantam nos cabrestos como lutos perfumados
mármores da numídia escorrem sobre aquedutos de âmbar da dalmácia e
num tapete mágico, pelas enciclopédias e papiros
vou cantando)
ó bélica arrogante, sedutora enciclopédia azul
um chão sob os pés
mas sempre um longe do chão
na casa de campo do lado de fora da oficina e do assoalho
Passam triunviratos, grandes pestilências, comboios de flechas do inimigo
despertam incursões de normandos no vale do gâmbia e zambeze, incursões de Conrad pelo rio maior
ó sultões escravos, exércitos do volga, generais com febre nas estepes
avante cimitarras aríetes aljavas e butins
avante cavaleiros beduínos de gaza e ouarzazate
adiante políticas de alfabetização tiranos e inquisições
Adiante baías de piratas festas de bestas endêmicas
veterana e ancestral enciclopédia azul dos passos
sempre um chão sob os pés
mas sempre longe do chão
louvo a a ti castelos do loire lochstedt puerto de könisberg
muralhas de krak dês chevaliers cercos a liège abrigos da linha maginot
ordens teutônicas na costa do esqueleto refeitórios nas abadias da moldávia
pequenos feudos de sumatra cheirando louco o almíscar toda madrugada
louvo aos amigos e seres que fazem a enciclopédia viva como um mapa em tamanho natural
louvo os que amam montes sequóias e todas as árvores de porte
amo os que habitaram birmânias rodésias as pontes de porto velho
louvo toda a península malaia o estreito de amur e dardanelos
as passagens do oxus e corinto as mães os gratos e os capazes
mãe amiga e amante, querida enciclopédia azul:
sempre um chão sob os pés
(e ainda segue...)