quarta-feira, 29 de abril de 2009

Canção Nova

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Em pleno uso da poesia,
sorrio pela manhã no mercado do peixe
as pedras funcionam mesmo que lá as deixe
Já cansadas das águas em seu comércio perpétuo
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Não tive intenção de roubar esse rio
tampouco de pintar o oceano ou a casa arruinada
não queria, em palavras, anunciar a loucura da Barra
ou mostrar a eles que estávamos embriagados de um engradado de estrelas
rolávamos cambalhotas sob os muros do farol
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Acende as fogueiras
ergue piras nas pontas das paisagens
deixa que o fogo sozinho precipita-se
nem um Buda descobre seu caminho sem insetos
segue pela madrugada branca atrás das belugas
que se escondem na folhagem
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Metade do tempo enrugado como um couro
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Só o mato que toma conta dos fundos da rodoviária
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O cheiro de águas abertas descendo pelos abandonos
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As portas que proíbem roupas leves
como uma estrada repleta de tanques
os pântanos repousam em suas prateleiras de riga
os institutos acolhem formigas e suas pesquisas e tendências
nas paradas de trem obsoletas já retornam os carros de boi
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As cidades riem nas ruas até certo ponto
as pessoas de fora talvez não entendam a paisagem
os peixes talvez sonhem ser borboletas ou abelhas
e as pedras talvez invejem as cidades, invejem seus morcegos
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E as ruas, até certa hora, escutam silêncios com a brandura
da terra abusada e extraordinária, nos pátios amanhecidos de chuva
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O prazo de decifrar as horas e ladrilhos
e nesse verso celebro como uma grande praça
a decorar os mapas de todas as coisas
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sábado, 25 de abril de 2009

O carletismo em Jorge Luis Borges - II

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Um homem se propõe a tarefa de desenhar o mundo. Ao longo dos anos, povoa com imagens de províncias, de reinos, de montanhas, de baías, de naus, de ilhas, de peixes, de muradas, de instrumentos, de astros, de cavalos e de pessoas. Pouco antes de morrer, descobre que esse paciente labirinto de linhas traça a imagem de seu rosto.

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quarta-feira, 22 de abril de 2009

Ceilão

Pois vossos sonhos são os dias nas noites


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Era um balneário de praias cercadas de colinas florestadas. Estava hospedado em uma casa bem no meio da praia e comandava provisoriamente o tráfico de mulas e a exploração do sal nas enseadas.


Passeava pelas encostas em um de meus passeios matinais quando encontrei numa clareira, em volta de um cercado de madeira, Renata Sorrah, e seu jovem amante. Eles afirmavam ter viajado pelas terras dos pictos e escotos, medos e egípcios e cantado para César, bem como para o líder dos hunos, godos, getas e suevos.

Me afastei confuso da floresta , seguindo por uma trilha que me levou através do deserto até um oásis de água doce, onde vislumbrei o palácio de espessas paredes caiadas, pátios azulejados, onde bailarinas descalças dançavam

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terça-feira, 21 de abril de 2009

A influência Carletista em Jorge Luis Borges

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Assim teve início a aventura que durou tantos invernos. (...) Fui remador, mercador de escravos, escravo, lenhador, assaltante de caravanas, cantor, catador de águas profundas e de metais. Padeci no cativeiro durante um ano, nas minas de mercúrio que amolecem os dentes. Militei com os homens da Suécia na guarda de Mikligarthr (Constantinopla). Às margens do Azov amou-me uma mulher que não esquecerei; deixei-a ou ela me deixou, o que é a mesma coisa. Fui traído e traí. Mais de uma vez o destino me obrigou a matar. Um soldado grego desafiou-me e me ofereceu a escolha entre duas espadas(...) Combati os sarracenos com os homens azuis de Serkland. No curso do tempo fui muitos, mas esse torvelinho foi um longo sonho (...)
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(do Livro de Areia)

segunda-feira, 20 de abril de 2009

LXXVII

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(Mulheres que navegam de noite cantando em canoas iluminadas entre as margens de um estuário verde)
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Fiz um brioche de queijo para mim e fiquei imaginando espermatozóides com capotes de frio, tremendo em frágeis jangadas de madeira enquanto tentavam contornar o iceberg que bloqueava o seu caminho para os óvulos gelados.
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(...) E Rachel me disse: Às vezes penso no meu clitóris como um imã, me arrastando para revelar novos depósitos de minérios nas minas.
(...) Eu me perguntava se teria que me mudar para a casa de meus pais no interior para evitar safáris em busca dos meus orgasmos como Tarzan em seu caminho pelo cemitério de elefantes

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Simultaneamente eu gozo na minha mão
Esperma nas roupas de cama & e nas suas pernas
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( de Fragmentos de um Copista)

domingo, 19 de abril de 2009

II

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(...) Os rebeldes então massacraram a guarda real e dominaram quase toda a cidade, proclamando um novo imperador. Diante da gravidade da situação, Justiniano ameaçou abandonar o trono e a cidade, mas foi chamado aos brios por sua mulher Teodora. A altiva imperatriz disse:

Ainda mesmo que a fuga seja a única salvação, não fugirei, pois aqueles que usam a coroa não devem sobreviver à sua perda. Se quiseres fugir, César, foge. Tens dinheiro, teus navios estão prontos e o mar aberto. Eu, porém, fico. Gosto desta velha máxima: a púrpura é uma bela mortalha.
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(de Fragmentos de um Copista)

sábado, 18 de abril de 2009

CIV

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(...) CVIII No fundo da água, caranguejos mordiam os olhos dos suicidas com uma pedra amarrada no pescoço e os cabelos verdes de algas. CXIII Subi as escadas do pérfido palácio que tinha as cúpulas mais altas e atravessei sete pátios (...). A sala central era protegida por barras de ferro: os presidiários com correntes negras nos pés içavam rochas de basalto de uma mina no subsolo.
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CXIX Na mais remota sala de papiros, numa nuvem de fumaça percebi os olhos imbecilizados de um adolescente deitado numa esteira, que não tirava os lábios de um cachimbo de ópio. CXXVI Sei que não devo descer até o porto mas subir o pináculo mais elevado da cidadela e aguardar a passagem de um navio lá em cima
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CXLII O cais é alto e a água escura bate contra os muros, com suas escadas de pedra escorregadias por causa das algas. Barcos untados de piche aguardam no atracadouro os parentes que retardam a partida despedindo-se de familiares. CLXIII Já não se distingue o traçado da costa; há neblina; o barco atraca a um navio ancorado. (...)
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(de Fragmentos de um Copista)
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Fragmentos de um Copista

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“... vemos frequentemente as obras, por uma artimanha fundamental, serem sempre apenas seu próprio projeto: a obra se escreve procurando a obra, e é quando ela começa ficticiamente que ela termina praticamente”

Roland Barthes


I
Me fazia lembrar da vez, no mais desamparado e deserto dos subúrbios da capital, em que (ele) nos trancou em um quarto de pensão com uma garrafa de vodka, uma pedra de haxixe e disse que só sairíamos depois de escrever uma obra relevante.
Por volta do amanhecer, um dos gendarmes que nos vigiava a cavalo viu no umbral de uma antiga loja de tintas um homem com um poncho, deitado.(...)
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Marechal Carleto Gaspar 1841

Marechal Carleto Gaspar 1841