quarta-feira, 27 de junho de 2007

- A grande ofensiva -



Ao amanhecer as descargas de fuzilaria abafaram o esplendor dos fogos de artifício e os gritos de terror anularam a música e o júbilo foi aniquilado pelo pânico; as tropas entravam em cada casa da cidade colonial e saiam com os bolsos cheios de dinheiro queimado, que esperavam em parte recuperar; logo havia nas ruínas de Porto Seguro um enorme comércio de notas queimadas.

No segundo inverno que passava na cidade, o Marechal estimava em dezoito mil soldados o total de suas tropas somente na Bahia e quando o terceiro inverno começava, ele marchou para o norte. Todas as cidades e vilarejos entre Porto Seguro e o Rio das Virgens se renderam sem oferecer resistência e duas semanas após começo da ofensiva, Carleto já marchava com seus homens pelas largas avenidas parisienses de Belmonte.

Carleto seguia à frente de seus homens, montado num corcel branco e logo atrás dele vinham seus oficiais, os granadeiros, a infantaria e por último as colunas de artilharia rebocados por touros pré-históricos e Negros gigantes do Guiné que fechavam o desfile.

.

- Le Grand Hotel Beaumont -



(Sob o crepúsculo)

No terraço do Grand Hotel Beaumont, permaneceram todo um dia a discutir as estratégias da guerrilha ao som das multidões inundando as esquinas e calçadas a gritar o nome de Carleto Gaspar.


General Porquinho Macedo, segundo homem na hierarquia Carletista tentava, irredutível, convencer os oficiais a levar a guerra até Caravelas, ao sul de Prado; ele afirmava que sem uma forte resistência nas terras ao sul, o império Carletista estaria permanentemente ameaçado pelas forças portuguesas. Caravelas era uma cidade à beira de um rio profundo e poderia ser facilmente defendida com a construção de uma extensa muralha de terra no seu lado sul.

Porquinho que dirigira todas as operações de Guerra nos Sertões, foi na opinião de alguns historiadores, o grande artífice da derrota dos carletistas. São insuficientes os registros históricos sobre este personagem, que se acredita tenha nascido na cidade portuguesa do Porto, no início do século XVIII.

Conhecedor das técnicas de combate dos indígenas foi apelidado de "mestre das emboscadas". À época da Conquista de Valença, teve grande sucesso em conter o invasor no perímetro da cidade, graças ao emprego das táticas de guerrilha indígena, praticando emboscadas, que voltaria a empregar anos mais tarde, em Pernambuco. Nessa época, alcançou a patente de Capitão, e após o cerco a Salvador ganhou o título de General.

Dois anos mais tarde, liderou uma força de 1.200 Baianos, armados com pistolas, mosquetes e flechas, numa emboscada em que derrotaram 2200 portugueses melhor equipados e treinados.

Capitão Pinheiro, o homem de confiança de Carleto, desprezava as palavras de Porquinho; mineiro nascido no Arraial do Tijuco, filho de escravos africanos, defendia a conquista dos sertões; ele acreditava que uma vez conquistadas as ricas jazidas de ouro e diamantes espalhadas pelos vastos sertões inexplorados, as nações estrangeiras venderiam seu apoio à causa carletista, e haveria receita para a compra de armas, navios, uniformes e suprimentos.

Segundo sua retórica, existiam dois caminhos paralelos que levariam à Glória e à Vitória: um grupo deveria ser destacado para subir o Rio das Virgens em busca de uma caminho para as Minas Gerais, e outro deveria atravessar o Atlântico e conquistar as desprotegidas reservas minerais de Angola.


Carleto parecia enfeitiçado pelos planos grandiosos de Pinheiro:


atravessar o Atlântico e tomar as minas de diamante em Angola..


Porquinho afirmava que querer conquistar um território na África era um grande delírio, mas Carleto era ousado, impulsivo e nutria sonhos de ser a reencarnação de Aníbal, o cartaginês. Findava a noite e o impasse permanecia.



(A vitória sobre os portugueses às margens do Rio das Virgens foi um momento decisivo na guerra, um triunfo para os Carletistas, que compensou o fracasso do ataque ao espírito santo.

Atraídos pelas promessas de glórias, riquezas e liberdade, milhares de camponeses, escravos e miseráveis migraram para o sul da Bahia, no intuito de se juntar às Forças Carletistas.

Os Arautos gritavam pelas estradas:

“Hoje quem diz Pátria

Diz Carleto!”)


e assim foi...




.

.

Pedrinho dormia entre os bancos


Eu permanecia desperto


a viagem toda atento

Admirando o mapa da ilha


Pouco antes do amanhecer

O imponente Minos ancorou na

Pequena baía de Heraklion


Os motores do navio foram desligados

E eu pude ver através das janelas


A silhueta desconhecida


Das nevadas montanhas de Creta


.

terça-feira, 26 de junho de 2007

- Lamentações de Jeremias -

.

Jeremias já previa a cidade de Jerusalém reduzida a escombros, as jovens violentadas, as crianças a implorar por um gole d'água ou um pedaço de pão, com seus lábios febris, os cães torturados pela sede, a lamber o sangue de seus amos, e os corpos dos mortos e dos agonizantes empilhados pelas ruas como estrume.

Sabia o que significava um cerco àquela época, e passava noites e noites a sonhar com um pequeno vilarejo, sem muros, sem soldados; de frente prum mar azul claríssimo e prum céu abafado. Sonhava com aquelas imagens desde a infância, mas jamais se lembrava do sonho na manhã seguinte. Com a fome, porém, reparou que o sonho se tornava mais longo e profundo e lembrava-se ao acordar de ver homens de roupas coloridas com barras de um metal brilhoso nas mãos...

Até o dia em que foi visto em seu sonho...


.

- Samarkand -

.

... naquela madrugada, Mathias voltou sem recursos para o seu refúgio no mosteiro do Monte Sinai. Em uma semana estava tomado pela febre e não podia mais roubar galinhas.

(NOVOS TEMPOS INCERTOS,
DURANTE A VIAGEM
ATRAVÉS DOS BAIXIOS
MORRERA ANONIMAMENTE

E NÃO REPARARA...)


No fundo, nunca havia acreditado na legitimidade da vida,



Desde sua primeira morte em Alexandria, havia se refugiado nas selvas escuras da Etiópia e continuaria até o fim dos tempos, se não houvesse escutado sobre a guerra nos balcãs.


DESCEU O NILO NUM BARCO DE PESCADORES NÚBIOS


De Alexandria correu num cargueiro turco que o deixou às portas do Danúbio no estreitamento do negro mar



Tomou o elixir e a Capadócia



ESCREVEU UMA EXTENSA CARTA PARA UM IRMÃO DESAPARECIDO



DUZENTOS ANOS



Luta com essa febre

%


- Chatêlet - Montparnasse -


"E agora o que será da minha viagem?

um imprevisto é a única esperança"


um grande artista colombiano

com residência em Paris


o outro vaga pelas ruas do sul

procurando quem compre seus discos


Mateo é cozinheiro de restaurante

em algum balneário do Brasil


Oscar eu não sei

deve ter se mandado


com alguma sueca, talvez mais pro norte..

fumo um haxixe e lembro de vocês


sentados nos trilhos depois da meia noite

sempre com fome e sem dinheiro


mas atrás do traficante árabe do Senegal

sob as praças de folhas douradas em setembro

de dentro vendo as árvores secas no natal

e Nicholas o tempo todo a falar de Átila, o huno


"la pelouse ne poussait plus

aux chemins qu'il passait"


segunda-feira, 25 de junho de 2007

- Wien -


"Que inquietação profunda...
que desejo de outras coisas,
que nem são países, nem momentos, nem vidas,
que desejo talvez de outros modos
de estados de alma
umedece interiormente o instante lento
e longínquo!"

A.C.

sábado, 23 de junho de 2007

- Fragmentos -

.

Suas roupas de renda manchada eram regularmente enviadas de Porto Seguro, onde vivia com sua mãe, para Ilhéus, para serem lavadas e passadas sob a vigilância de seu pai


Na primeira badalada do sino ele estava em Trancoso; na segunda em Leipzig e na terceira chegou a seu corpo



Carleto instalou Lobato na sua propriedade em Jequié, uma casa cujos cômodos estavam sempre cheios de cães mais apressados para matar do que para comer




E quantos guerreiros feridos por dardos de bronze, com suas armas ensangüentadas, vinham de todas as partes ao redor da muralha



Cento e vinte pares de ouvidos mortos escutavam com grande atenção



Qual a diferença entre há pouco e há mil anos, agora que as coisas são como são?



Joseph esperava a chegada de seu irmão José em Bizâncio, assim como os judeus esperam o Messias



.

- A Marinha -

.


Faróis distantes, de luz quase inexistente orientavam os marujos em sua primeira viagem através dos oceanos. Quando o cais se afastou e a linha do continente sumiu, uma tristeza visível se apoderou de toda a tripulação.


Sob o comando de Pinheiro atravessaram as águas antigas da esfera terrestre e em quarenta dias atingiram a Costa da Ilha de São Tomé. Em uma semana haviam saqueado todas as vilas, cidades e povoados da costa ocidental da Ilha.


Chegavam famintos, cansados, bárbaros, como uma horda de godos sujos
e fedorentos e abriam e destroçavam os armários, gavetas, portas e cadeados de todas as mansões e vilarejos. Até que alcançaram as ruas largas da capital; e queimaram tudo que era madeira naquelas terras curtas e deixaram tudo que era verde e alegre como terra cinza, seca e estéril;


Dali atravessaram até a costa do atual Gabão e durante 4dias e 4noites saquearam e queimaram a cidade francesa de Libreville...



.

- Clarice de Campos au Leme -



"Ser esquecido de que se existe!"



é do alto do pensar desse esquecer

que os deuses dos deuses dominam o mundo

ser alheio a si mesmo

nem arte nem silêncio


A.C.

Esta é a vida
vista pela vida
harmonia secreta da desarmonia
Luxo de minhas desequilibradas palavras

C.L.


- As nove rainhas -


"Que desvario entre os abissínios,
os gregos, os turcos e os eslavos
quando me aproximo de suas mulheres..."

Ibn al-Haddrach

- Uma ode a André Lobato -

.


Kind o f blue


(alô, chefe, então, vou ter que faltar o serviço hoje...)


(...pensando melhor...)

/-/-/-/

(tomando coragem)


(aliás... vou faltar a semana inteira...:))


(...)

(Quer saber, vê se me esqueeeece!)





- Dezembro de 2004 -

.


Deus seja conosco

e não esqueçamos nunca

que o mar é eterno

e afinal de todo tranquilo

e a terra grande

e mãe

e tem a sua bondade

Porque sempre podemos nela

recostar a cabeça cansada

e dormir encostados a qualquer coisa."

F.P.


.

quinta-feira, 21 de junho de 2007

- Patoquita -


Se é tão bom assim estar contigo

E se em sorrisos largos eu me deito

E se como um anjo rouco eu lhe cantasse


E se nas noites lentas que chovesse

Apenas o amor que ri solto em nossas vidas

O rubor querido dos vestidos e quadriculados


O tempo infinito grudado em teus sapatos

Girando sob os sóis a abrir mundos e rodar espaços


No incrível reino risonho

de suas primaveris ternuras




quarta-feira, 20 de junho de 2007

- En éias -



Nada dessas naus nos noivos nascidos nas noites de novenas náufragas

nomes nicáraguas nicholas nascentes

naves nervosas navegando núcleos nebulosos nulas notas ninfas nem negam o negrume nos

nômades neuróticos narcisos eunucos nublando


Não nunca nem nada


Nada

Nada

Nada no navio nuclear e negro como a núbia nativa das notas



Nínguem assina a narrativa


- El Bazza-ar -


MADE IN LEME




iatch bazan-enn


"Quando chegar me liga então pra rolar aquele trabalho de ombro e triceps!!!"

A pós-Leminidade Técnico-científica

chega na caixa em mensagens versificadas

Pós-aproximação-vazia-do-tumulto-mundo-celular


do aparelho vinho que toca samba treme e tira e faz e lembra e que acontece no meio da aula sobre a metafísica kantiana...

Aperto o silencioso diante dos olhares mórbidos do mestre mas quem será essa pessoa? será a promoção o convite o parábens o sufoque ou não será nada???


desligar assim que entrar
desligar quando sair
ao conduzir
ao degustar


ao comer


Benditas caixas postais sem crédito para acessá-las, recuo escondido das palavras torpes que se anulam e se fazem em ondas magnéticas..


tendências pós-leministas todas, mas o que será pós-leminismo se leminista é aquele que segue a filosofia do ethos momentâneo o definitivo e atemporal anseio dialético entre a praia e a favela...


Cresce em números gestos e palavras
toda minha insípida postalidade


"Excluir todas mensagens?" me pergunta o aparelho

é como perguntar se quero a amnésia como opção para a multiplicidade das experiências, pensamentos e-mails e comprometimentos

Não, não quero excluí-las, não quero te-las, não quero receber mensagens, não quero créditos para acessar o meu correio elétrico

não quero toques, emoticons, chamadas não atendidas, vozes que somem...


Quero o que Benjamin definiria como o anseio primário do ser social...

A visão de um mundo pós-leminista.


Aonde isso???


Isso fica à imaginação...




segunda-feira, 18 de junho de 2007

- O atraso -



Bares Vazios na esquina do sinal

Festas nos portos perdidos pros lados de Macau

Terras vilas vinhas tardes virgens do ocidente

Guerras de bestas amansadas, de moças inocentes,

Divas no fundo vale do mundo




De spov oad as

As Cidades-entregues; desgraças desses ceifadores de mansardas desses príncipes de gala a traduzir finanças valetes de êxitos como ganhos de meretrizes de torrentes gordurosas de óleo e contrabando manchetes repletas de fraudes de comboios vermes e vielas a mesma seiva dos carros a galope das vítimas sem conta com grande raiva nas pálpebras do mundo repleto de imundície e infância das múltiplas e hábeis costureiras prostitutas nuas na organização das nações oráculos carregados nas lápides e encruzilhadas novas nas cadeiras e prisões. São enxames esses tenentes soldados são enxames esses lados viciados são enxames faíscam e rangem por todos os ferros desalinhados da esteira automática que suga esses versos de escudo bravo e tinto escarlate trêmulos estão os homens que não tem um muro que os proteja a Terra em breve um deserto por culpa de seus desculpados habitantes ensurdecidos pelo ouro fácil das serpentes seduzidos pelo temor que lhe inspiram seus grandes patrimônios o mundo se retorce em dor e grita como a mulher que dá à luz sem o parto já é uma cidade tão grande que são necessários três anos para atravessá-la:


- Eu e Álvaro de Campos -

Ao vivo no calçadão de Copacabana


Rio de Janeiro profundamente Boreal

dezoito de junho do ano de dois mil e Sete

Primeiros quarenta e dois minutos do dia

Melhor da madrugada


Grandes são os desertos

E deserta está a praia

Grandes são os desertos e no calçadão não há ninguém

Grandes são os desertos

E deserta é a poesia

Grandes são os desertos,

Minha eloqüência inspiração


Mas vou definitivamente arrumar as malas

É que o dia deu em chuvoso

No escuro da primeira hora do dia

Tudo fechado e tenho sede

De guarda-chuva listrado branco e preto

Vou gritando na Figueiredo Magalhães


- Dêem-me de beber, porra! Eu sou do Leme!


O renunciar de todas as janelas que estavam abertas

Se eles tem a cachaça guardem-na

Vou embriagar-me em Bicarbonato de Soda

Desconsolação na epiderme da alma

Afinal é tão pouco provável

Ser Borges ou Saramago


Graças a deus que estou doido

Com uma saudade prognóstica e vazia

Com uma náusea física da Avenida Prado Júnior interior




sábado, 16 de junho de 2007

Viajar é preciso, viver não é preciso


Le colosseum de átila en madras me ceuta pêut-être un petit palenque pisac e je trouve que les irmãos wright khan eliz ethon an via ápia mas son loire or le mek de malta de chipre suez et-tebas sabesque hindu- kush e les cárpates son krakatoa minos toujours un lepanto timor au raisen lest in ceilão dumbar et cabinda arrest tout les peubles in ismael que conocia-la quizas la galícia e wie schloffen de ossétia du nord que ne existe pas plus les libres plus que palavres ôô pressis no ienissei ou lena le vulte de selassié c'est comme ça un orinoco lake allende au sahara que se je nasser baikal over mamoré-gabar et amílcar cabral levah aussi m. diocleciano a trovare troppo el adão mobutu un níger-darfur-ogaden sans cibeles putáin um akhbar bateaux au reno avec moi ester plus noé but herat e genserico in ciclades etáit lá-bas e je pense pas and comme ça será john mclane lá ad nostrum avec chivas regal e franzines des cerves au nord du aral. Capito ?



quinta-feira, 14 de junho de 2007

- O Reino -



Sou rei de nada

de trono e enfeite falso

Sou rei descalço

Avesso a essa fidalguia


Meu condiscípulo e colega de cantoria,

pra que lhe ensinei os fundamentos da lírica se

as paredes do castelo tem trinta metros de largura

se por uma légua e meia de altura tu soubesses


que o início da sabença é ser errante

Tu, homem de artifícios tantos

Na semana, um alfaiate, homem ilustre de família e tradição

No sábado, caído pelos cantos, como os nobres na revolução


êêê tonteio da mente abrasada na estrada

Matanças e morrências nas poeiras velhas

Suores soltos nas estradas férreas


No caminho das pedras envelhecidas pelo tempo e pelas chamas.



terça-feira, 12 de junho de 2007

- Moreré -

.

Amantes dos mares azulados e das longas travessias

De dentro das trincheiras brancas

eles ensaiam um ataque de amêndoas aos milhares


Ácidos capazes nos jogam às alturas nesses bares

cruzando em arco os ares da enseada parda

balas de chumbo frutífero na algibeira guarda


(mas Carlos, como é difícil escrever com constância,

escrever sem elixir sem paraíso ou substância)


Guerra química de frutas cáusticas sem êxitos

Ávidas Bocarras que tocam holocaustos no idílio


Amêndoas tantas ganham sentido em intestinos

destino anfíbio desses mísseis descascados




.

segunda-feira, 11 de junho de 2007

- O Deus dos Muros -

.

Mathias, mais célebre caçador das montanhas de Creta, Deus do Sal e dos Sitiados, chegara ao paraíso Cristão montado num Rinoceronte, carregando em correntes de prata o Demônio dos Sonhos Obscuros .

Filho do Sono e da Mentira sofria de uma febre crônica e fora raptado pelo pai durante o parto. Viveu até os trinta anos escondido sob um tronco de amendoeira, preso numa gaiola na foz do Rio Oronte e nunca mais encontrou a mãe. Não conhecia uma única palavra do dialeto Sumério, mas falava corretamente com o guardião da jaula, que lhe trazia diariamente uma farinha de besouros moídos.

Na maré cheia, suspenso sob a árvore, somente sua cabeça emergia das vagas, mas na maré baixa podia apanhar com a mão um siri ou uma tartaruga, pois o mar retirava-se para deixar lugar o rio, e ele podia lavar a água salgada com doce. Escrevia com os dentes, que cravava na carapaça do caranguejo ou da tartaruga, mas não podia ler o que tinha escrito, e soltava os animais na água sem conhecer o sentido das mensagens que escrevia ao mundo.

Nessa idade seu corpo cresceu e a árvore, cansada do esforço de sustentá-lo, tombou sob a correnteza e deixou que ele saísse. Tinha cabelos longos e encaracolados e uma barba negra enraizada ao chão de tal maneira que ele levou anos pra se libertar. Questionado no primeiro vilarejo que encontrou sobre sua procedência, falou num acádio antigo e hesitante, e ao pronunciar umas poucas palavras da língua nova foi reconhecido como Homem Santo. Primeiro cortavam seu cabelo e vendiam na feira pra curar os rins e a bexiga, depois com o toque da alvorada, vendiam ingressos e faziam fortuna para apresentar “O Grande Sábio do Oriente”.

Amigo e amante da morte, Mathias comia carne crua, dormia com um olho aberto e um entreaberto e os cães sempre ladravam por onde passava. Senhor das mais belas jovens de Samarcanda, enquanto dormia exercitava-se com a espada e quando desperto tomava nota de todos os seus sonhos detalhadamente.

Nos dias de chuva acendia o seu cachimbo de ópio para esquentar o peito e abaixar a febre devagar. Era o único momento em que largava a caixa encantada onde escondia os sonhos aprisionados por seus ancestrais através dos tempos. Vendia alguns deles para mercadores Persas e Fenícios, enquanto estudava o alfabeto celeste para descobrir como aprisionar o Demônio dos Pesadelos.


Conhecera o anjo judeu nos bosques da Etiópia, numa tarde em que caçava escravos negros para os palácios da Babilônia. Surpreendido pela proteção divina dos nativos, Mathias foi esmagado pelo peso intransferível de seus pecados e enviado para os portões do Inferno Judaico. Lá de joelhos implorou misericórdia mas foi jogado em pele sobre o ferro em brasa; em carne viva chorou e fez juras impossíveis mas foi açoitado por um demônio pré-histórico, e quando estava já a beira do abismo incandescente de onde não há nenhum retorno, pediu uma derradeira chance e o mesmo anjo Etíope do Bosque desceu das alturas frias e pronunciou: “Glorifica-te pela Música dos Sonhos. Traga à meu reino o Demônio dos Negros Pesadelos e terás tudo que imaginas!!!”


Acordou deitado sobre uma fonte de mármore ao som da Lira de seu pai.

Sobre um pequeno pedestal entre os dois havia uma caixa de madeira com entalhes em marfim. “Mathias, isso agora lhe pertence! Aqui estão guardados os sonhos ancestrais de nossa linhagem. Leva contigo onde quer que você vá. Essa caixa é a minha única herança, além da febre!”. Pronunciou essas palavras, adormeceu e o herdeiro se quedou paralisado, olhando desconfiado aquela pequena caixa que encerrava em si todo o esquecimento das noites humanas.


Vagando solitário através dos precipícios da Anatólia, encontrou um camponês com uma vaca amarela que em troca de umas poucas moedas de cobre lhe vendeu o animal. Mathias montado em suas costas seguiu a estrada e tocou até as margens do Bósforo. Do ponto de onde se pode ver a Europa, a vaca transformou-se numa deusa lindíssima, e sem se identificar, concedeu a ele o dom da música e do caminhar sobre as águas. Também lhe entregou um alaúde branco feito com o casco de uma tartaruga antiga que conhecera Alexandre no túmulo de Aquiles. Foram seguindo a estrada tocando alaúde e errando pelas terras ao sul da Macedônia. Ele e a Deusa.

Certa vez, quando cruzavam um pântano na Beócia, à procura de sonhos enterrados, Mathias fora atacado por um javali selvagem, e só conseguiu se defender, graças a seu alaúde, que rasgou a barriga do bicho e o afugentou. Quando o bicho sumiu ferido na mata, a Deusa sem nome chorou um grito de agonia e desapareceu na Terra como pó.



Morreu numa quinta feira executado, após sobreviver à batalha de Maratona e ser considerado desertor. Enterrado junto a seu cavalo, descansou três noites e partiu numa balsa para as águas do Ocidente. Foi viver entre os Godos e Germanos, passando anos desaparecido, a saquear e incendiar cidades. Séculos depois em Constantinopla encontrou a Morte outra vez e teve que mudar seu nome para despistá-la. Deus do Sal e dos sitiados, morria todas as décadas nos campos da Rússia e da Itália e vivo ou morto sempre foi e será o Deus dos que defendem muralhas.

Depois de sua segunda morte, Mathias se refugiou no Mosteiro do Monte Sinai, onde podia roubar sonhos, galinhas e um leite quente pra baixar a febre. Em sua caixa já havia sonhos de Tróia, Micenas, Roma, Cartago e o mais valioso de todos, um sonho babilônico, herdado de antigos ancestrais, que misturava viagens à África, vestidos azuis, jóias assírias, escadarias verticais e um caminho que era sempre interrompido na oceano.

“Morrer de excessos sob os muros de Constantinopla”, esse era o destino e a profecia revelada ao homem santo por um de seus sonhos. Mesmo ciente do oráculo seguiu outra vez para Bizâncio perto do natal.

Dirigiu-se à Basílica de Santa Sofia e assim que cruzou o imenso portal bizantino escutou uma suave canção do alto da torre e quanto mais adentrava o edifício mais se sentia atraído pela música. Foi pelas escadas subindo até que a escuridão ficou tão espessa que ali descobriu seu dom e começou uma nova vida.

Na escuridão da torre conheceu Rute, a moça que talhava instrumentos de acordo com uma técnica utilizada há milênios e atualmente esquecida. Assistia compenetrado aquele trabalho no escuro enquanto ela assobiava uma canção mais rápida que o pensamento e com o passar do tempo a canção se revestiu de encanto e Mathias entendeu o segredo do alfabeto celeste: Música Divina.

No ano seguinte reuniu alguns flautistas e cantores e com estes ensinou toda a população a cantar as canções da fazedora de instrumentos. Nas praças públicas ensinou as crianças o canto que espantava os pesadelos e descobriu com seu pai adormecido, a localização da toca onde a fera dos sonhos escuros se escondia.

Já no verão seguinte, agarrado em sua espada e seu alaúde, partiu com seus músicos para as profundezas do Hades e nas margens do rio Estige, avistou flutuando sobre um barco negro, saqueado por corsários, o demônio negro dos pesadelos que dormia sobre sua barriga rasgada com uma jovem deusa cantora a lhe tratar das feridas.

Disfarçados atrás de um rochedo, Mathias e seus homens esperavam que a jovem cantora adormecesse quando ouviram a melodia celeste ressoar de seus lábios distantes. Era por essa música que a fera permanecia amansada e quieta num navio queimado, o mesmo encantamento que Mathias havia aprendido com Rute na escuridão absoluta da torre em Constantinopla.

Com o silêncio de três dias a moça se foi e a besta enfurecida acordou de seu sono forçado. Conforme o ritual aprendido, a orquestra do Sal e dos Sitiados começou o grande encantamento. Mathias domou a fera dos pesadelos com uma escala de sustenidos e por uma trilha desconhecida conduziu a besta até os muros envelhecidos e desavisados da Cidade dos Mortos.

Mathias está sentado à beira do Aqueronte e durante dias inteiros irá guardar essas trincheiras. Está enterrado na Lama e sabe que o momento chegou; avista distante um Senhor de bigode prateado e lembra do guardião da gaiola, que avançando com seus passos miúdos em direção a estrada sem volta, foi sempre um pai e companheiro na ausência do Sono e da Mentira.

Com correntes de prata, montado sobre um rinoceronte o nosso Deus levanta a mão vitorioso. Sonhando com os seios macios de uma mulher sua, acena para o sentinela que abre os portões da muralha.

Antes da batalha final, já aprisionada a besta, ele reza: “Deus livrai-me do inferno islâmico, onde ardem os cristãos, dos nove círculos do Inferno, dos calabouços do Hades. Quero rostos calmos, terra planas, cidades esplêndidas e o brilho intenso de novecentas moças virgens.” Amém.

sábado, 9 de junho de 2007

- Os Sertões -


... Quando alcançaram a enorme montanha de arestas afiadas por onde o rio escavava um vale forçado, encontraram diversas grutas às margens do rio; Carleto enviou meia dúzia de homens para explorá-las, e estes voltaram após pouco mais de uma hora, num estado de êxtase e deslumbramento carregando uma estátua quebrada da Virgem Nossa Senhora.

Carleto desembarcou e ordenou que construíssem ali uma igreja e uma povoação: a área era rica em madeira de mogno, havia muita caça e os peixes abundavam;

A cidade foi batizada como Nossa Senhora Virgem da Lapa.


Em uma semana foi construída uma enorme paliçada de troncos maciços numa parte mais alta ao pé da Serra de onde se avistava todo o contorno do rio para ambos os lados; ali Carleto ergueu um enorme depósito e diversas casas menores para servirem de abrigo contra a chuva e o vento, ordenou a instalação de postos avançados de observação no alto da montanha e enviou alguns de seus melhores homens em direção ao litoral para buscarem reforços e artilharia.

Os soldados devastaram todo o entorno para acumular lenha, grupos revezados saiam em missões de caça ininterruptas e logo começaram a plantar pequenas roças de milho, mandioca, café e feijão...




- Forças Carletistas avançam sobre Valença -



- O Alpinista Masoquista de Romano em Katmandu -



Nau Histórica dos Loucos carrapatos

Pobre Rio de Lama e Purgação

Fazenda dos homens parasitas e amebas


Nós nos intestinos de Bucéfalo



sexta-feira, 8 de junho de 2007

- Gibraltar -

.

Um dirigível sobre Stalingrado

Aponta o carrossel de moças rocas

Balões sobre Varsóvia arrombam bocas

Balões e aeronaves sobre o sítio


O Encouraçado Branco em Estocolmo

Cala mercadores de palavras nobres sobre a Prússia

Cala as almofadas e leituras nos lunáticos ermos da Alsácia

E em outubro essas coisas não são mais sonhos de maio


Em dezembro elas agostam, os sapatos e agasalhos

Em Abril jaz o Rolls-Royce, conversível em frangalhos

Convertido entulho férreo e olvidado

Uma sucata a mais no escuro pátio da estação bombardeada.

.

- A Conquista de Ilhéus -

.


















.

- rio rio rio rio -


Eu rio seco osso gasto espécie de marasmo náutico nas brisas Túnicas romanas aos pés da casa quartos de caça de enumerar carcaças cem vezes Ave Maria que passa rota e sonora sem febre de foras sepulto no sono da relva e atento na prece da prenda que cresce e apreendi lá fora Em casa conto mas não gosto sou gasto e gasto o sentido de um são de cerca de dois metros cão que casa e vê e crê e mata os que não são nas matas quadras nas cercas dos soldados trapos em sentido perca ou pode um pote de mil metros abençoar e se cercar de algozes potros selados tingidos machados de talhas de brios de traves de fios que choram o frio dos que se vêem tossindo nas cruzes


quarta-feira, 6 de junho de 2007

- A língua -


Grilhões semânticos --- os cérebros emparedados

Clausura pura das gramáticas e ordens

Desviando rios-preces dos pulmões infames


Cercas de arames lógicos a soletrar ditados

Aguados verbos violentados no cárcere sintático

Corredores artigos das cadeias numerais


Apocalípticas misturas amargas matemáticas verbais


Não li e não escrevo





- Claro que não! -

.


Compro a criatividade em gramas

Ao preço de cinqüenta reais sou tomado pelo espírito




não li e não escrevo



.

segunda-feira, 4 de junho de 2007

- A casa -


*

Teto



Atravessou: verbo pretérito das tonturas


Olhava: nostalgia em um cartão postal suíço qualquer


Breves: segundos que surgiam sagrados cismados seguiam


Sílabas: fúnebres trechos de aço verbal esvoaçando sombrias gravuras



Único




Hortelã: sonâmbulo solo substantivo que sepulta meu verso-chão

subterrâneo




Marechal Carleto Gaspar 1841

Marechal Carleto Gaspar 1841