sábado, 24 de novembro de 2007

Genealogia das aves migratórias


Monarquias do eterno céu azul e cinza,
à vós que como formações de esquadra
atravessaram a história humana em silêncio
dedico essas linhas que vos seguem


A caminho das Molucas o oficial imaginava escrever uma genealogia das aves migratórias, uma espécie de canção sobre o fundo incerto e oceânico das raças, uma grandiosa narração das dinastias ignotas a equilibrar-se através dos séculos nas arquibancadas de rocha pura sobre as enseadas.

Como nuvens químicas a voar em bando sobre os portos, a trocar sinais tal como mil tambores rufando sobre pontes e baleias, singrando os céus com heroísmo natural, mesmo quando passam por ciclones, ou chegam às manhãs sem ilhas, naus perdidas no Pacífico, à bordo do navio, contornando o Horn.

(Fogueiras acesas nas ilhotas)

Uma solitária gaivota atravessa os céus com a indolência absurda de um recife no canal que tangencia o rio; cada pedra uma pátria sombria de umidade e relva; cada ilha um novo exílio seco de ossos dispersos; cada recife um descanso estreito de água-furtada; mas um ritmo de governo, a respiração em uníssono, os mesmos pensamentos sem palavras, a íntima linguagem que nenhum vento pode irritar,

como anjos em pluma sobre montanhas de cristal e gelo, além das cidades que se levantam por trás das cordilheiras rubras, sobrevoando corsários ao largo nas Canárias, escutando alto-falantes nas ruínas em Colônia, descansando sobre prisioneiros mortos nos cordames dos Sargaços, vestidos de tempos murchos os rochedos, ruflando asas de torres emborcadas, nas horas de luz violeta e cisternas de cabeça para baixo quando tudo pareceria um ar de estalos

(Nos sabemos prisioneiros da árida planície que é o tempo posto em ordem, mas o que estará em ordem nessas terras de pesca e nuvens negras?)

Com tais fragmentos, por uma noite, o oficial a caminho das Molucas pôde escorar suas ruínas e descansar. Pois então também vos conforto. O oficial mais uma vez enlouqueceu nas Ilhas. Deixou apenas umas poucas palavras escritas em que dizia assim:


Datta. Dayadhvam. Damyata.

Datta. Dayadhvam. Damyata.

Datta. Dayadhvam. Damyata.


Shantih shantih shantih

.

Um comentário:

Marechal Carleto Gaspar 1841

Marechal Carleto Gaspar 1841