domingo, 25 de maio de 2008

O Homem

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Desde o escudeiro combativo das terras áridas da ibéria até a garçonete esnobe de um pub em Newcastle desde o homem das fendas, das grutas o homem dos balões dos mares o homem da península da roça da cidadela das armaduras de couro e gibão desde o homem das belas damas de copas nas mangas das serras inatas bárbaro dos lajedos nômade rubro-amarelo

Padres e imperadores santos e carrascos estupradores e eunucos: cirurgião-barbeiro-paladino mestre dos clarins irmão dos clãs na noite boreal escravo mouro das lendas de cavalaria reles recruta no mar do mundo novo lírico como um homem talhado nos cedros da armênia lira para as bestas no inferno o mendigo podre a se masturbar na porta do teatro o estadista heróico a empreender suas grandes marchas de lamentos o vaqueiro manco sem lanternas lanceiro pesado raquítico & vaidoso buda em ascensão sob a figueira viciado em pico e chantagem

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A roupa que vestimos em vida é apenas um desses mesmos disfarces que se repetem pelos séculos dos séculos; maquiagens dos nossos pobres caracteres designados desde antes; somos escravos desta mesma encenação, marionetes ingratas que desfilam nos palcos como entidades automáticas

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O que acontece:

Chegando à vida senti saudades do passado épico que me precedia; não haverem mais terras a serem descobertas, não haverem mais grandes tesouros para serem revelados, grandes manadas a atravessar as pradarias, não ser mais o mundo tão aventuresco e obscuro como outrora (a foz dos rios repletas de hipopótamos), e como encarnar em vida, hoje, um corajoso personagem épico, cruzar fronteiras ao sabor do destino, entregar-se irresponsavelmente aos caprichos da nômade senda?

E é aí que entra a literatura com elemento de potencializarão matemática da experiência humana, é ela que torna possível ao homem dominar tempo e realidade, expressar as cartografias de seu imaginário, através do jogo de criação viver a alteridade, o impossível, o improbable, escrever é brincar de divindade mesmo quando arrefecido por uma ansiedade elétrica no quarto do apartamento

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2 comentários:

André disse...

Q isso nego! Bom demais! Erudito, cortante, aceso, complexo e bonito! Esse caminho é repleto ...

Cecília Borges disse...

muito bom!
brincar de deuses
criar o que é o nosso sagrado
um bj

Marechal Carleto Gaspar 1841

Marechal Carleto Gaspar 1841