sábado, 3 de março de 2007

- CANÇÃO ESLAVA -


Isso sim é uma canção eslava

Compilação de antigas cantigas

Trancado num mausoléu

Cercado de crânios

Em Bukhara não me protege a bandeira jesuíta

Os relógios caseiros são como nos bálcãs

Inexistem


Divas no fundo do vale do mundo

Avós tristes

Derradeiras Cordilheiras

A paz da mulher grávida está de luto

Jamais me levem aos penhascos

Ainda sonho estar na fronteira


Marcado pelos traços do cárcere

Quero saber o crime que os levou aquele lugar

Um senhor de idade avançada alerta

É vedado aos presos cerrar os olhos

Bem desagradáveis certas paisagens

Em minha face gravados serros vulcões


Arauto das Civilizações Equatoriais

Escondido em ânforas pelos quartos

Fogos de artifício dos feriados babilônicos

Lido nas salas de Códices pré-colombianos

Manuscritos de papoulas

Fósforos do Hotel Varadero


A guerra me chamou

Balas de revólver

Cavidades dos órgãos melancólicos

Mensageiros que não dizem a verdade

A manhã toda olhamos ao redor da Fortaleza

Sem reforços, quem virá nos salvar?

Um deus Negro ou um Deus Bárbaro?


Tesouro árido dos séculos

Palavras, credos, farmácias

O brando deleite dos órgãos sexuais

Vagões reservados, embriaguez e olvido.

O artista durante a tarde esboçava

Um ex-capitão da marinha mercante

Com as duas mãos rudes cruzadas sobre o colo


Amante dos mares azulados e das longas travessias

Pensava ser um delírio mercenário

Uma delicada euforia dos meus vinte e dois anos

Whitman tece conselhos

Transformado em qualquer presença ou verdade humana

Vou para a fronteira cruzando os charcos e alagadiços do Mato Grosso do Sul

Como explicar meus dentes brancos num pântano de desdentados?


Viúvas insones me observam desconfiadas

A terra não é árida mas o sono o é

Centelhas de brilho mais ao norte em Manaus


Estou de passagem pela noite
Provérbios da língua portuguesa

Riqueza maior que as Avenidas de Manhattan

Na Infantaria aprendi a hierarquia, as listras, medalhas

Indicações...

Nos morros de nossa cidade

As grandes leis são cumpridas e acatadas sem discussão

Não creio que dure...


Mato a aula de literatura e mergulho no mar para estudar

Eterno equilíbrio inacessível da vida acadêmica

Paradoxos da curiosidade, antítese dos planos

Mística é a vida e a Guerra

Estoques, depósitos, transporte

Poetas, dicionários, enciclopédias, guias, ensaios

Necessito de suprimentos para meus poemas

Dependendo a distância que estou, não me alcançam


Acampo junto à fogueira no Parque Nacional

É dezembro na Bahia, Monte Pascoal, Caraíva

Um grande campo de batalhas onde logo entraremos em ação

Na terceira noite avançamos nossas tropas sobre o Forró

Era um belo início de verão

Lá pelas tantas entregaram as armas e renderam-se


Com a Bahia e portas secretas

Tenho uma curiosa sensação de identidade

Com o barco de pesca, o quarto do beliche

O Livro na estante, o anel nos dedos

Brisa soprando e ela dormindo de dia

Chopin Wagner Albinoni

Badalar de sinos barrocos

Baden Chico Jacob

Súbita iluminação de afeto

Tudo que eu jogo no cesto

Se cair certo ela me ama


Tapeçarias do palácio de inverno

A dança ao redor do fogo

A música infinita de Antônio Brasileiro

Versos de estudante que precisam ser guardados para a velhice

O jovem latino pensando em Constantinopla

Divina experiência de ser vivo

Na metade do caminho, os vinte anos já passaram



Apenas a vida do homem sabe o que é sexta feira

Rezar, rezar, rezar

A prática tem que se repetir

A guia de iemanjá

O terço italiano

As pequenas estátuas do Buda

Os cristais quebrados da Chapada

Só a fé salva nesse mundo

Ergo meus olhos sobre o céu escurecido

E é o amor e a paz que desejo


Madrugada, silêncio nas águas

Se o navios de papel e os barcos não voltarem

Eu apago as velas


O assombro corre meu corpo como orgasmo

Agora no Rio Paris Roma ou Salvador

Tremulam bandeiras nas pocilgas, escolas igrejas e mansões

Tudo se dissipa engolido pelo escuro da guerra

E até o cheiro de limão que não se larga dessa terra

Escorre em valas cheias de mato e lamaçais

Guerras de desencontradas paixões

O inferno que se repete e é apenas o ensaio


As mães choram sozinhas

Varandas sem vista, cadeiras quebradas

História desgraçada essa da imundície humana

É tal o horror que desses nossos hemisférios emana

Que aqueles lumes vivos ainda reluzindo

Ficam vagos, fugitivos



A selvageria dos cruzados

Fez da fortuna de Clio uma tristeza

Mercadores Venezianos que Borges descrevia

Rebanho de olhos turvos, crueza

Esquecida sua antiga imagem, ó menino Jesus

E aqueles lobos vorazes

Prontos a incendiar qualquer pastagem

“Socorro Roma, Grande Capital!!!”

“Quanta riqueza aqui vos espera”

Mas é gente humana que já se desvia

Ardendo todos na mais profunda esfera

Nos últimos círculos das torturas Dantescas.


Gloriosa alma que se fala

Perdida quinhentos anos antes de Platão viver

De onde tirou essa alma Homero?

Pra onde foi Virgílio,

Obra inacabada, sempre renascida

As luzes triunfantes de uma Roma Imperial.


Néctar dos deuses, Hidromel...

Trocados pelo sem gosto da hóstia

Nascido nos Mosteiros do Monte Athos

Aprendido nas liturgias da igreja ortodoxa

Conhecedor de Tucídides e Heródoto

Como aquele que chega na festa

E não conhece a ninguém


Escrever sempre com sono

Nutrir esperanças de ser grande antes de se deitar

Oscilar entre a religião e a psicanálise

Em Arraial D’ajuda tocando a marcha fúnebre de um irmão

Pra quem vivia de música aquilo era desvario


Paisagens imensas botes pequenos

Perdidos como náufragos em algum lugar sem terra a vista

Milton Nascimento, ao lado me sussura:

“Se engrandece pela fé que os vôos da arte são mais baixos”


Êêê tempo apressado quando se está contente

Sobre as muralhas de Cartagena eu te lia um poema do amigo Pedro

Entusiasmado você me perguntava:

“Você também é do Leme?”

Reservado, eu explicava que tinha nascido Lido,mas meu espírito era Leme e tal

E ele fingia não ligar pra esses detalhes

“É, Lido é leme praticamente”

E propunha uma cerveja no ambulante torcedor do Colo Colo


Na estrada de Alfenas uma casa abandonada

A estrada inacessível, remota

Perdida como todas as estrelas...

Mas aquela imagem dizia alguma coisa

Sim...

Passado de gente morta

Carregaste aquela casa de recordação

De alma de gente que não tem pra onde ir

Voz suave que ecoa das ruínas

Aliviai teu pranto, tristeza das flores arrancadas


Cansaço de quem dorme sobressaltado

A vida sem festas é um longo caminho sem hospedaria


Me sinto um cano perdido nas entranhas de um grande edifício

Após Camões não se pode ser nada

Tímidas missões dos navegadores antigos

Feitos menores de povos do passado

Abençoadas cidades da lusitânia

Vocês, nessa faixa estreita de terra

Ofuscando os orientes


Defino com o fim de embelezar

À sombra de uma figueira

Na inútil tentativa de acender um cigarro

Qual seria a história de Melquíades?

E os detalhes das guerras do Coronel Aureliano?

São muitas lacunas...


Na vida...


Esquecida a lâmpada apagada..




Nem de longe essa mágoa se desfaz

Sozinho, um homem não pode ficar

Lá embaixo na rua, passa o 592

Carroça mágica que enche de ansiedade

Os dias de quem mora no Leme

Bosques de bambus das manhãs seguintes

Um graveto estala atrás dos homens

“É UM TIGRE!!”

Farejava carne humana

E o menino,

coitado,

desde pequeno gaguejava...


Entardecia.


Triste, agarrei o azul daquela enseada e fiz um verso

Mesmo flutuando sobre um barco negro, saqueado por piratas

Nas cataratas do Nilo antes de Assuã

Nas corredeiras do Mekong antes de 68

E nós, tendo que buscar caminho pelas margens,

Represar, diques, atalhos

É preciso ir da foz às cabeceiras


Estrangeiro, ele aguarda na estação

Peregrino, sentado embaixo do letreiro

Viajante, o cabelo desalinhado e seboso

Ignorante, não sabe o país que está

Selvagem, nunca viu os mapas

Mendigo, pro reino dos bons ele se apresta

Largado, ele espera...




E não há espera maior


que a da fé.

5 comentários:

Anônimo disse...

e a unidos da gustavo canta :
LEME
LEME
LEME . . .

Anônimo disse...

colé, bélico

Uma saraivada de tiros pipocam no céu do Leme para saudar o bravo povo eslavo.

Salve!

Anônimo disse...

Marechal Carleto
Whitman de Constantinopla
Papa do Leme

Anônimo disse...

Platão já dizia...





É O LEME PORRA!!!

Anônimo disse...

não sou do leme, mas carrego em mim a alma do mundo. tenho vez nessa roda viva?

me enche de alegria o fato de estar.

Marechal Carleto Gaspar 1841

Marechal Carleto Gaspar 1841