Isso sim é uma canção eslava
Compilação de antigas cantigas
Trancado num mausoléu
Cercado de crânios
Em Bukhara não me protege a bandeira jesuíta
Os relógios caseiros são como nos bálcãs
Inexistem
Divas no fundo do vale do mundo
Avós tristes
Derradeiras Cordilheiras
A paz da mulher grávida está de luto
Jamais me levem aos penhascos
Ainda sonho estar na fronteira
Marcado pelos traços do cárcere
Quero saber o crime que os levou aquele lugar
Um senhor de idade avançada alerta
É vedado aos presos cerrar os olhos
Bem desagradáveis certas paisagens
Em minha face gravados serros vulcões
Arauto das Civilizações Equatoriais
Escondido em ânforas pelos quartos
Fogos de artifício dos feriados babilônicos
Lido nas salas de Códices pré-colombianos
Manuscritos de papoulas
Fósforos do Hotel Varadero
A guerra me chamou
Balas de revólver
Cavidades dos órgãos melancólicos
Mensageiros que não dizem a verdade
A manhã toda olhamos ao redor da Fortaleza
Sem reforços, quem virá nos salvar?
Um deus Negro ou um Deus Bárbaro?
Tesouro árido dos séculos
Palavras, credos, farmácias
O brando deleite dos órgãos sexuais
Vagões reservados, embriaguez e olvido.
O artista durante a tarde esboçava
Um ex-capitão da marinha mercante
Com as duas mãos rudes cruzadas sobre o colo
Amante dos mares azulados e das longas travessias
Pensava ser um delírio mercenário
Uma delicada euforia dos meus vinte e dois anos
Whitman tece conselhos
Transformado em qualquer presença ou verdade humana
Vou para a fronteira cruzando os charcos e alagadiços do Mato Grosso do Sul
Como explicar meus dentes brancos num pântano de desdentados?
Viúvas insones me observam desconfiadas
A terra não é árida mas o sono o é
Centelhas de brilho mais ao norte em Manaus
Estou de passagem pela noite
Provérbios da língua portuguesa
Riqueza maior que as Avenidas de Manhattan
Na Infantaria aprendi a hierarquia, as listras, medalhas
Indicações...
Nos morros de nossa cidade
As grandes leis são cumpridas e acatadas sem discussão
Não creio que dure...
Mato a aula de literatura e mergulho no mar para estudar
Eterno equilíbrio inacessível da vida acadêmica
Paradoxos da curiosidade, antítese dos planos
Mística é a vida e a Guerra
Estoques, depósitos, transporte
Poetas, dicionários, enciclopédias, guias, ensaios
Necessito de suprimentos para meus poemas
Dependendo a distância que estou, não me alcançam
Acampo junto à fogueira no Parque Nacional
É dezembro na Bahia, Monte Pascoal, Caraíva
Um grande campo de batalhas onde logo entraremos em ação
Na terceira noite avançamos nossas tropas sobre o Forró
Era um belo início de verão
Lá pelas tantas entregaram as armas e renderam-se
Com a Bahia e portas secretas
Tenho uma curiosa sensação de identidade
Com o barco de pesca, o quarto do beliche
O Livro na estante, o anel nos dedos
Brisa soprando e ela dormindo de dia
Chopin Wagner Albinoni
Badalar de sinos barrocos
Baden Chico Jacob
Súbita iluminação de afeto
Tudo que eu jogo no cesto
Se cair certo ela me ama
Tapeçarias do palácio de inverno
A dança ao redor do fogo
A música infinita de Antônio Brasileiro
Versos de estudante que precisam ser guardados para a velhice
O jovem latino pensando em Constantinopla
Divina experiência de ser vivo
Na metade do caminho, os vinte anos já passaram
Apenas a vida do homem sabe o que é sexta feira
Rezar, rezar, rezar
A prática tem que se repetir
A guia de iemanjá
O terço italiano
As pequenas estátuas do Buda
Os cristais quebrados da Chapada
Só a fé salva nesse mundo
Ergo meus olhos sobre o céu escurecido
E é o amor e a paz que desejo
Madrugada, silêncio nas águas
Se o navios de papel e os barcos não voltarem
Eu apago as velas
O assombro corre meu corpo como orgasmo
Agora no Rio Paris Roma ou Salvador
Tremulam bandeiras nas pocilgas, escolas igrejas e mansões
Tudo se dissipa engolido pelo escuro da guerra
E até o cheiro de limão que não se larga dessa terra
Escorre em valas cheias de mato e lamaçais
Guerras de desencontradas paixões
O inferno que se repete e é apenas o ensaio
As mães choram sozinhas
Varandas sem vista, cadeiras quebradas
História desgraçada essa da imundície humana
É tal o horror que desses nossos hemisférios emana
Que aqueles lumes vivos ainda reluzindo
Ficam vagos, fugitivos
A selvageria dos cruzados
Fez da fortuna de Clio uma tristeza
Mercadores Venezianos que Borges descrevia
Rebanho de olhos turvos, crueza
Esquecida sua antiga imagem, ó menino Jesus
E aqueles lobos vorazes
Prontos a incendiar qualquer pastagem
“Socorro Roma, Grande Capital!!!”
“Quanta riqueza aqui vos espera”
Mas é gente humana que já se desvia
Ardendo todos na mais profunda esfera
Nos últimos círculos das torturas Dantescas.
Gloriosa alma que se fala
Perdida quinhentos anos antes de Platão viver
De onde tirou essa alma Homero?
Pra onde foi Virgílio,
Obra inacabada, sempre renascida
As luzes triunfantes de uma Roma Imperial.
Néctar dos deuses, Hidromel...
Trocados pelo sem gosto da hóstia
Nascido nos Mosteiros do Monte Athos
Aprendido nas liturgias da igreja ortodoxa
Conhecedor de Tucídides e Heródoto
Como aquele que chega na festa
E não conhece a ninguém
Escrever sempre com sono
Nutrir esperanças de ser grande antes de se deitar
Oscilar entre a religião e a psicanálise
Em Arraial D’ajuda tocando a marcha fúnebre de um irmão
Pra quem vivia de música aquilo era desvario
Paisagens imensas botes pequenos
Perdidos como náufragos em algum lugar sem terra a vista
Milton Nascimento, ao lado me sussura:
“Se engrandece pela fé que os vôos da arte são mais baixos”
Êêê tempo apressado quando se está contente
Sobre as muralhas de Cartagena eu te lia um poema do amigo Pedro
Entusiasmado você me perguntava:
“Você também é do Leme?”
Reservado, eu explicava que tinha nascido Lido,mas meu espírito era Leme e tal
E ele fingia não ligar pra esses detalhes
“É, Lido é leme praticamente”
E propunha uma cerveja no ambulante torcedor do Colo Colo
Na estrada de Alfenas uma casa abandonada
A estrada inacessível, remota
Perdida como todas as estrelas...
Mas aquela imagem dizia alguma coisa
Sim...
Passado de gente morta
Carregaste aquela casa de recordação
De alma de gente que não tem pra onde ir
Voz suave que ecoa das ruínas
Aliviai teu pranto, tristeza das flores arrancadas
Cansaço de quem dorme sobressaltado
A vida sem festas é um longo caminho sem hospedaria
Me sinto um cano perdido nas entranhas de um grande edifício
Após Camões não se pode ser nada
Tímidas missões dos navegadores antigos
Feitos menores de povos do passado
Abençoadas cidades da lusitânia
Vocês, nessa faixa estreita de terra
Ofuscando os orientes
Defino com o fim de embelezar
À sombra de uma figueira
Na inútil tentativa de acender um cigarro
Qual seria a história de Melquíades?
E os detalhes das guerras do Coronel Aureliano?
São muitas lacunas...
Na vida...
Esquecida a lâmpada apagada..
Nem de longe essa mágoa se desfaz
Sozinho, um homem não pode ficar
Lá embaixo na rua, passa o 592
Carroça mágica que enche de ansiedade
Os dias de quem mora no Leme
Bosques de bambus das manhãs seguintes
Um graveto estala atrás dos homens
“É UM TIGRE!!”
Farejava carne humana
E o menino,
coitado,
desde pequeno gaguejava...
Entardecia.
Triste, agarrei o azul daquela enseada e fiz um verso
Mesmo flutuando sobre um barco negro, saqueado por piratas
Nas cataratas do Nilo antes de Assuã
Nas corredeiras do Mekong antes de 68
E nós, tendo que buscar caminho pelas margens,
Represar, diques, atalhos
É preciso ir da foz às cabeceiras
Estrangeiro, ele aguarda na estação
Peregrino, sentado embaixo do letreiro
Viajante, o cabelo desalinhado e seboso
Ignorante, não sabe o país que está
Selvagem, nunca viu os mapas
Mendigo, pro reino dos bons ele se apresta
Largado, ele espera...
E não há espera maior
que a da fé.