quarta-feira, 31 de outubro de 2007

A execução do diplomata


Bravos soldados na fronteira guardam postos
com barcos, armas, munições e equipamentos
subordinados a torres, coletores de impostos
vivem desprotegidos dos céus e dos tormentos

não existem tártaros que não imaginem o mundo
incendiado, tornado todo uma pastagem
que não sonhem com qualquer palácio inundo
qualquer recuo, a tensa execução selvagem

retornando sem ter afastado os intrusos,
não morreram nos baixios ou mistérios
abandonando aldeias aos canhões sem uso

não trouxeram paz à China ou ao império
bombardeados ao executar os diplomatas lusos
não inundam mais seus cofres com minérios



Poesia Ártica

.
*

Esses versos são a ponta do iceberg:


O resto do poema fica sob a lâmina d'água
---~~~-~~---~-~~---~-~~--~~-~~--~~--~-~-~-~--~-~-~-~-~-~--~~-~--~-~-~-~-~-~--~-~-~-~-~-~-~-~-


.

terça-feira, 30 de outubro de 2007

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Chansong II


"I’ve never been in Paris for the summer

I’ve never drank a Scotch with this bouquet"


Nunca vendi cavalos nas feiras da Tartária

Ou me perdi nas formalidades dos mestrados

Nunca fundei dinastias sobre reis assassinados

Ou joguei comediantes bestas sobre as feras


Jamais encontrei Buda no menu dos restaurantes

Tampouco acendi lâmpadas na guerra da Coréia

Jamais corri assustado alvejado por manifestantes

Tampouco li Gilgamesh na língua da Caldéia


Não produzi chacinas ou dividi famílias e alianças

nem dirigi carros de embaixada com insígnias de estado

não enriqueci com poços de petróleo no Arkansas


nem engordei bezerros nas planícies do el dorado

Não fui cantora de bar ou empregada de alguns mouros

Apenas escrevo sonetos antes de entrar na arena dos touros



terça-feira, 23 de outubro de 2007

Um pouco mais sobre Carleto Gaspar*


Carleto Gaspar tinha como programa de governo algo próximo do ideal ortodoxo do Romantismo Alemão, um projeto ideológico que, para ele, só poderia ser alcançado através de um conceito particular denominado Baianismo-Beat-Dionisíaco. Se esse “método” incluía guerras, violências, saques e orgias, isso nunca foi esclarecido, Carleto só ressalta a errância como conceito fundamental de sua ideologia e ideário: a idéia do homem dividido biologicamente entre o homo sedentarius e o homo nomadis. Seu sonho era uma nação de homens nômades, assentados sobre a produtividade material do homo sedentarius limitado e pouco criativo que seria subjugado e escravizado. A luta de Classes carletista seria uma eterna luta dos sedentários infelizes e desencantados lutando para prender os nômades à sua vida medíocre e previsível.

Carleto idealizara uma sociedade em permanente migração, composta ciclicamente por levas de refugiados e assentados que se revezariam aleatoriamente da maneira que lhes parecesse mais agradável. Um nomadismo industrial com ênfase na produção idílico-poética e que reconheceria também a importância do Nômade Sedentário como peça fundamental da engrenagem social carletista, aquele nômade que decide ficar indefinidamente em um determinado assentamento.

Esses assentamentos seriam centros de lazer urbano-campestre, destinados a busca da alegria e da realização da vontade em absoluta integração com a paisagem. Segundo seu biógrafo particular, José Inácio de Abreu e Lima, Carleto Gaspar já delirava com as paisagens agrestes da Bahia no terceiro ano de guerra, dizendo que aquilo era tudo só podia ser obra de um deus da lírica persa. Parava às vezes no meio do campo de batalha para meditar sobre os binômios compostos que levam ao orgasmo ou sobre a estrutura narrativa do velho testamento. Só as tempestades de balas e flechas o tiravam de seus devaneios; mas uma vez desperto, ele outra vez surgia como um titã a esbravejar, dar tiros sem direção e a exaltar furioso o vultuoso saque que aguardava os soldados dentro dos muros. “Glória eterna ao primeiro que galgar as fortificações” e seguia em frente atirando imprudente em meio aos projéteis que zumbiam sob seus ouvidos.




Aquela noite de natal de 1807 foi uma noite triste para os poucos soldados que ainda sustentavam o cerco a Ilhéus. As malas de provisões se esvaziavam, o fosso largo impedia o assalto frontal aos muros e os carros de boi exaustos, sem ração, enfraqueciam a combalida linha de suprimentos.

Em seu gabinete improvisado com panos e lonas vermelhas, escondido sob as fortificações, Carleto recebeu a notícia de que recrutas esfomeados haviam saqueado os depósitos. Colérico, enfurecido, os oficiais trêmulos, mandou reunir todos os comandantes, e, reunidos em volta da mesa de estratégia, ordenou o ataque total à cidade. “Mas como, meu bom Marechal, como podemos atacar com tamanha desvantagem, sem a chegada de uma artilharia consistente, sem poder atravessar o fosso em segurança?”, “Como César e Alexandre jamais recuaremos” ele retrucava, “o exército está em colapso, dependemos todos do Butim”

E declarada a ordem inquestionável de avançar aos poucos homens que restavam, esses então avançaram convictos sobre as escadas quebradas nos tombadilhos, por sobre os trilhos e balsas destroçadas, pisoteando os arautos feridos, mirando o alto da muralhas altas, onde os defensores sem munição, jogavam pedras e tijolos sobre a multidão de filhos caçulas, e os tiros brancos de mármore voando nas testas desnudas desses homens de sombra e carvão choviam como as telhas jogadas sobre os cadáveres da véspera, e mesmo assim as escadas foram reerguidas sobre os muros, e então, como um milagre, os soldados começaram a escutar o canto cerrado das tribos do sertão, o canto ibérico conhecido nas aldeias maias, e os jagunços inspirados pelo coro, escalaram com ímpeto de mouro as escadas e por fim alcançaram o alto da muralha levantando em seguida o estandarte Carletista da conquista. Carleto Gaspar olhava de longe e cantava baixo e solitário sua única canção.


Esse homem que tinha a poesia como único consolo nas madrugadas insones, este ser vidente obcecado por guerras e epopéias, o tipo de jogador que quer sempre um pouco mais, viciado de veia em civilizações peninsulares, colecionador de Rios e arbustos pragmáticos, vendido para os modernos pelos povos monumentais da Antigüidade.

Esse homem que estudara com seus mestres da Germânia sobre os castelos nórdicos erguidos sobre o Cairo, sobre a logística das festas de Manhattan dos anos quarenta ou da Bagdá dos setecentos; investigara com os sábios da anatólia o amor desgraçado na melancolia medieval italiana, experimentara em árabe arcaico o cheiro doce da virilha virgem da filha do sultão, as imperatrizes núbias sussurrando seu nome de batismo; conhecera as matemáticas, as lógicas da pólvoras, os segredos da astronomia etrusca, como um Édipo, desvendara já os enigmas por antecipação, cantara por seus heróis mortos no cárcere, vivera em corpo e espírito o excesso nas drogas mais puras, e dizem alguns, viveu até o suicídio.




(* Carleitização do Canto Báltico)

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Safo (séc. VII a. C.)


"Alguns dizem que o que há de mais belo na terra é um esquadrão de cavalaria;
outros, um exército de guerreiros apeados; outros ainda, uma esquadra de navios;
mas o mais belo é o ser amado por quem o coração suspira."


sábado, 13 de outubro de 2007

Tapeçaria das paisagens


Fui outrora um califa em Samarra

casualmente num sonho destacado

como artífice dos povos e misérias

ministro-chefe dos portos e arados

Ergui bebedeiras às margens do mar Cáspio

para manter em fevereiro a Belém alvoroçada

no alto do campanário eu mirava a retomada

das ruas estreitas entre a cidade de damasco

Ao longe um viking em seu Drakkar sobre os recifes

nas masmorras torturando o Parmênides de Eléia

e ele gritando que o mundo é assim, uma odisséia

e Empédocles de Agrigento dizendo que não era

Eu sou fui e serei sempre esse mar de ondas agitadas

ancestral das planícies como os graves precipícios

iluminado desassossego da ilustração contente

onde fui encontrar as minhas horas mais felizes

Ninguém é eu, ninguém é você

não posso ser ele, ele ser eu

isso na infância é como ser você

a longa espera de José no poço

.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Amante de panos e libélulas

.
No tempo em que os relevos eram outros

Comprava-se livros como sedes de dilúvio


No tempo em que cafés traçavam teoremas

Comprava-se livros como carrosséis de antigos bailes


No tempo em que éramos soterrada aurora em braile

Almoçávamos enciclopédias nuas nos solstícios


Evidenciar mamutes já não era um vício

E lanchávamos florestas nos ensaios


sábado, 6 de outubro de 2007

Ao largo

.

Cuidado com o outro.

Amanhã serás tu a saber

e conhecer gritar e urrar


o imperativo mistério de estar

só o tempo algoz ainda

e saber soprando que a prece


é fundamental poesia de ouvir e calar

que a voz é o que falas se

talvez sem soprar soubesses


que centros são sinas de poucos

que tarde a lua não é de

manhã, se queres partir e deitar


não falhes que há sonhos

intransponíveis muradas

que consomem santos e


filhos sem dó e os mais velhos,

se queres portar a bandeira

lembra dizendo que tudo isso


e as coisas que a gente constrói

são como alegria dos seres e casas

como par de janelas abertas aos montes


por isso amigos jovens

e senhoras guardem

Guardem sempre.


Por isso adultos

meninas e tropeiros

cuidado uns com os outros


Cuidado que o outros

também és tu.

Cuidado que é


frágil o divino monopólio

que temos que cuidar

e que há de tudo em todo lugar


mas guarda assim

com carinho e prezando

prezando como quem


guarda um tesouro

e por isso talvez não percebam

que guarda,


acende por vezes aquele

que ingênuo se sente apagado

levanta o ombro caído que


não engana um pouco a vergonha

sela sempre sabendo

que se apertar não desgruda,


reza também por aqueles

no seu canto quietinho

e talvez quem sabe um dia


por uma alameda do zoológico

tu encontres também acolhido

qualquer ressuscitado ou


homem de engenho,

ademais não existe solo

até que existam os pais


Ontem soubesses talvez

que Frank, Chaplin & Tom não eram

mais que os dirigíveis transoceânicos


que intensos apenas abraçavam

baías planeta afora na virada

da centena antiga do oitocentos


.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Vai Carlos, ser gauche na vida


i

Losk, por que agora estás onde não queres?

Por que não arruma as coisas

E vai-te embora?


Que fará você com toda essa tristeza?

Que fará o dia em que ela não mais se for ?


Por que trazes aqui o que te deixas tão abatido?

Por que não gritas que não queres mais?


Losk, por que te calas menino?

Sinto tantas saudades tuas

Por que foges de ti?


ii


Por que esse sono eterno, esse cansaço, essa exaustão sem fim?

Por que esse desânimo com o porvir, esse ócio sem resultados, essa preguiça maciça?

Por que esse sono que não é vontade de se deitar, esse cansativo assombro do destino que chega?


Por que?


Resta dormir, sonhar e esquecer

E quem sabe, acordar em outro tempo

talvez em outro lugar




Marechal Carleto Gaspar 1841

Marechal Carleto Gaspar 1841